quarta-feira, 13 de junho de 2018

Coluna Claquete - Filme da Semana 2: "Nos Vemos no Paraíso"




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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com


Filme da Semana: “Nos Vemos no Paraíso”


Em busca do pai


Um dos aspectos mais interessantes do cinema é sua capacidade para discorrer sobre relacionamentos humanos através das maneiras mais estranhas. Isso pode ser através de um campo de batalha, em atos de corrupção ou trapaça, ou na dureza de um diálogo entre cônjuges. Tudo isso encontramos no interessante drama francês “Nos Vemos no Paraíso” (“Au Revoir Là-haut”, FRA, 2017).
No início do filme, em 1920, o francês Albert Maillard (Albert Dupontel) está em uma delegacia de polícia no Marrocos, à época uma colônia francesa. Algemado e cercado por policiais, ele é intimado a contar sua história, que até aquele momento ninguém imagina qual seja.
Sua narrativa retorna a 1918, nos momentos finais da guerra, quando o ato tresloucado de um oficial, o tenente Pradelle (Laurent Lafitte), provoca um confronto desnecessário, que causa a morte e ferimento de inúmeros soldados.
Entre os feridos está o jovem Edouard Péricourt (Nahuel Perez Biscayart), que sofre um gravíssimo ferimento na face, pouco depois de salvar a vida do amigo Maillard. Este faz o possível para salvar o amigo, que embora consiga sobreviver, fica com o rosto monstruosamente deformado.
Péricourt não quer ser visto assim pelo pai, e consegue convencer Maillard a trocar sua identidade com outro soldado morto no campo de batalha. Com outro nome, ele segue para tratamento em um hospital de Paris. Maillard continua cuidando dele, a ponto de roubar morfina de outros veteranos para aliviar as dores do amigo.
Escondido atrás de máscaras que ele mesmo faz, Péricourt convence Maillard a fazer um grande golpe, convencendo prefeituras a encomendar monumentos de guerra que só existem no papel, graças às habilidades artísticas do jovem.
Um destes projetos chega às mãos de Marcel Péricourt (Niels Arestrup), pai de Edouard, que reconhece a assinatura artística do filho, e acredita que este esteja vivo. Para isso, ele encarrega Pradelle, agora seu genro, de encontrar o pretenso artista.
Pradelle, que não deixara de ser um trapaceiro, se agarra a esta oportunidade, pois está envolvido em um grande esquema de corrupção, e está a ponto de ser preso. Ao mesmo tempo, seu casamento está por um fio, o que significa perder a poderosa influência do sogro.
Curiosamente, o fio condutor deste emaranhado de confusas relações é exatamente o sentimento de paternidade, que falta entre os dois Péricourt, foi criado entre Maillard e Edouard, nasce na comunicação com a órfã Louise (Héloïse Balster) e está na única boa ação de Pradelle, ao engravidar Madeleine (Émilie Dequenne).
Além de uma história interessante e envolvente, “Nos Vemos no Paraíso” traz uma preciosa recriação de época, cenários impressionantes, principalmente nos campos de batalha, fotografia deslumbrante e um elenco bem afinado, o que reflete o trabalho de direção do próprio Albert Dupontel.
Este filme faz parte da programação do Festival Varilux de Cinema Francês 2018, que traz uma série de filmes que dificilmente chegariam aos nossos cinemas na programação normal, onde predominam os blockbusters de Hollywood. Confiram!

Título Original: “Au Revoir Là-haut”

terça-feira, 12 de junho de 2018

Coluna Claquete - Filme da Semana: "A Raposa Má"


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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com


Filme da Semana: “A Raposa Má”


Confusão no galinheiro



Sempre que pensamos em um filme infantil, certamente o que vem à mente são as sofisticadas produções Disney/Pixar, com seu preciosismo técnico e investimento de milhões de dólares para cada filme. Pode ser também a delicadeza artística dos Estúdios Ghibli, que transporta para as telas belas histórias do folclore japonês.
Na verdade, o primordial não está na sofisticação tecnológica ou artística, mas na história a ser contada que torna um filme especial, o que é o caso da produção franco-belga “A Raposa Má” (“Le Grand Mechant Renard et Autres Contes”, FRA/BEL, 2017).
Como o título original sugere, o filme contém três histórias, no mesmo ambiente e com os mesmos personagens. A ação se passa em uma fazenda, onde vivem vários animais, cada um com suas peculiaridades, defeitos e qualidades.
No primeiro episódio, o responsável Porco (Damien Witeka) é obrigado a assumir a entrega de um bebê, depois que a preguiçosa Cegonha (Christophe Lemoine) decide tirar uma folga, e os malucos Pato (Antoine Schoumsky) e Coelho (kamel Abdessadok) resolvem assumir o serviço.
No segundo episódio (que dá o título ao filme), a Raposa (Guillaume Darnaut), cansada de ninguém ter medo dela, resolve raptar os três pintinhos da sra Galinha (Céline Ronté). O problema é que os pintinhos acham que são raposas e filhos da própria, o que gera bastante confusão no galinheiro.
No terceiro episódio, o Pato resolve assumir o papel de Papai Noel, arrastando os amigos Porco e Coelho em enormes confusões na cidade, que incluem até ter que lidar com o verdadeiro homenzinho de vermelho.
Apesar do enredo simples, as histórias são apresentadas de forma bastante divertida, tanto para crianças quanto para adultos, com algumas piadas e intervenções muito interessantes, bem diferentes das histórias infantis do consumo padronizado. Não existem estereótipos, todos tem defeitos e qualidades, mas o que prevalece é amizade e o amor entre os personagens.
A técnica utilizada, bem diferente da sofisticação computadorizada, nem por isso é menos interessante. Os desenhos lembram a aquarela, com traços incompletos porém sugestivos, que funcionam muito bem com a percepção infantil.
Os diretores do filme são Patrick Imbert e Benjamim Renner. Imbert tem no seu currículo nada menos que “Ernest & Célestine” e “Abril e o Mundo Extraordinário”, enquanto Renner além de dirigir também foi o autor dos comic books nos quais foram baseados o filme atual: "Le grand méchant renard" and "Un bébé à livrer".
Apresentado na edição 2018 do Festival Varilux de Cinema Francês, “A Raposa Má” é uma oportunidade para a apreciação do excelente cinema infantil franco-belga, que une uma bela técnica a um enredo inteligente e repleto de bons valores.

Título Original: “Le Grand Méchant Renard et Autres Contes”

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Coluna Claquete - Filme da Semana: “O Homem das Cavernas”


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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com



Unidos da Caverna Futebol Clube



Como este ano acontece a Copa de Mundo de futebol, não é de admirar que a promoção do esporte atinja todos os cantos do planeta, todos os veículos disponíveis, e – porque não – o próprio cinema também faz a sua contribuição, com uma deliciosa animação que encantará até mesmo quem nunca se interessou pela bola: “O Homem das Cavernas” (“Early Man”, EUA, 2018).
Não é fácil fazer filmes sobre futebol, pois o maior encanto do esporte é exatamente a inventividade, o improviso, o acaso, e até mesmo a sorte ou azar, que permite a um time pequeno vencer um grande. Vários filmes sobre o esporte fracassaram pois tudo parecia demasiadamente artificial.
 Assim, usar todas essas características do futebol em uma animação pareceu ser a melhor solução, já que haveria o controle total sobre os “atores” e os eventos. Obviamente que para haver um bom filme, é preciso ter uma boa história. Junte-se a tudo isso um maravilhoso trabalho de moldagem com massinhas, e chegou-se ao resultado esperado.
No filme, numa época pré-histórica, onde homens primitivos e dinossauros conviviam lado a lado, tudo muda quando um misterioso objeto cai do espaço, provocando uma enorme explosão e criando uma zona diferente, onde a vida vegetal se tornou exuberante, enquanto o resto do planeta permanecia um grande deserto.
O tal objeto é encontrado pelos homens sobreviventes, e como estava muito quente, foi passando de mão em mão, depois de pé em pé, e assim foi criado um novo esporte.
Muitas eras depois, encontramos uma tribo ainda vivendo a idade da Pedra, e sobrevivendo da caça a pequenos animais. A pessoa que tentava mudar isso era Dug (voz de Eddie Redmayne), um jovem inquieto, que queria mudar as condições de vida de sua tribo.
Tudo sofre um grande impacto com a chegada dos homens de Lod Nooth (voz de Tom Hiddleston), o comandante de uma cidade da Idade de Bronze, que buscava mais e mais fontes de metais para assegurar o seu poder.
Hug é levado para a cidade por acaso, e lá descobre muitas coisas novas, inclusive o futebol, que era a grande ferramenta de marketing do tirano. Ele decide criar em sua tribo um time de futebol para desafiar o poderoso time de Nooth, e assim garantir a volta para o vale de onde tinham sido expulsos. A única ajuda que tem é da simpática Goona, ela mesma uma excelente jogadora, mas impossibilitada de entrar em campo porque era mulher.
As peripécias no treinamento e na batalha final em campo são hilárias e sensíveis, sendo trabalhados não só os valores de habilidade no esporte, mas também trabalho em equipe, saber o objetivo a alcançar, e também explorar as forças e fraquezas tanto do seu time quanto do adversário.
Confesso que fiquei maravilhado imaginando o trabalho colossal de fazer todos os personagens de massinha, com expressões faciais e tudo, arrumá-los todos em uma disposição, fazer a filmagem de alguns segundos, e depois refazer tudo para a próxima cena! Essa técnica, denominada Claymation (Clay Animation ou animação em argila) tem raízes antigas no cinema, sendo adotado também o nome Stop Motion.
Muitos filmes usaram essa técnica, principalmente sob o comando de Ray Harryhausen, criador de títulos como “Simbad e a Princesa”, “As Novas Viagens de Simbad” e “Simbad e o Olho do Tigre”. Muitos filmes recentes também adotaram a técnica, como “Frankenweenie”, “A Noiva-Cadáver” e “O Estranho Mundo de Jack”, de Tom Burton, “Coraline e o Mundo Secreto”, de Henry Sellick, “ParaNorman”, de Chris Butler, e “Kubo e as Cordas Mágicas”, de Travis Knight.
O diretor de “O Homem das Cavernas”, Nick Park, já usara brilhantemente a técnica antes em “A Fuga das Galinhas” (“Chicken Run, 2000) e “Wallace & Gromit – A Batalha dos Vegetais” (“The Curse of the Were-Rabbit”, 2005).
Apesar de várias referências externas que só adultos entendem, “O Homem das Cavernas” é um produto voltado para o público infantil, embora certamente divertirá quem for assistir. É bom vermos coisas assim numa era cada vez mais mercantilista e impessoal.

Título Original: “Early Man”