terça-feira, 15 de agosto de 2017

Coluna Claquete - 15/08/2017 - Filme da Semana: "Bagdad Café" ("Out of Rosenheim")





A primeira vez que ouvi mencionar o título “Bagdad Café” (“Out of Rosenheim”, 1987) foi por um tio muito querido, que era cinéfilo de carteirinha. Como o gosto dele era extremamente refinado, já senti que este filme teria algo de excepcional, e minha expectativa foi confirmada ao assistir o que considero ser um dos melhores exemplares da história do cinema.
Para os que estão acostumados a ver personagens lindos, com cara de propaganda de margarina, os primeiros momentos do filme serão assustadores. As protagonistas são uma alemã gorda e uma americana negra e desgrenhada. Os demais personagens não fogem do padrão, e tudo parece até coisa do mundo real!
Apesar do filme não dar muita explicação, deduz-se que um casal alemão viajava em férias pelos Estados Unidos, e perdeu-se em meio às estradas do Arizona enquanto buscava algum ponto turístico. Pelos motivos que só ela saberia dizer, Jasmin Münchgstettner (Marianne Sägebrecht) sai do carro, pega a mala e sai andando pela margem da estrada, com seu chapéu bávaro e um elegante terninho, debaixo do causticante sol do deserto.
Perto dali, Brenda (CCH Pounder) perdia as estribeiras com o marido enquanto lidava com os filhos, um neto ainda bebê, e um decadente motel de beira de estrada como tantos outros nos Estados Unidos. A discussão termina com a separação abrupta, praticamente ela expulsando o marido de casa.
O encontro destas duas mulheres acontece quando Jasmin procura um quarto para dormir. A chegada da alemã provoca imediata desconfiança em Brenda, que aluga o quarto, mas acha estranho que a recém-chegada só tenha roupas de homem. Na verdade, na discussão, Jasmin pegara a mala do marido, por engano.
Extremamente metódica, fanática por limpeza, e com uma imensa vontade de ajudar os outros, Jasmin aproveita uma ausência de Brenda para fazer uma grande faxina no motel, tirando até a poeira do telhado. Isso enfurece Brenda, que considera ser uma invasão direta na sua vida.
Aos poucos, porém, Jasmin começa a se tornar parte da vida dos estranhos habitantes do lugar: Phillys (Monica Calhoun), uma adolescente da pá-virada, mais preocupada em baladas que nos estudos, Salomo (Darron Flagg), para quem só a música existia, Cahuenga (George Aguilar), o funcionário indígena que fazia tudo, Debby (Christine Kaufmann), a tatuadora que fazia sucesso com os caminhoneiros, e o exótico Rudi Cox (Jack Palance), o pintor hiponga que morava num trailer ao lado do motel.
Neste cenário desértico, aparentemente distópico e pós-apocalíptico, todos parecem estranhos e perdidos, cada um com seus problemas, vivendo uma vida sem sentido. Neste contexto, Jasmin parece ser a peça que faltava para uni-los, e dar um novo rumo em suas vidas.
Além de uma história interessante, muito bem apresentada em um roteiro perfeito, “Bagdad Café” tem uma fotografia exuberante, que explora a desolação do deserto (e da vida dos personagens), uma edição inovadora para a época, e uma belíssima trilha sonora, com variações da música “Calling You”, indicada para Melhor Canção no Oscar de 1989. Todas as canções do filme foram compostas pelo músico Bob Telson.
“Bagdad Café” marcou a estreia do diretor alemão Percy Adlon no mercado americano. Foi dele a escolha de Marianne Sägebrecht para o papel de Jasmin. Marianne já era na época do filme uma das atrizes mais respeitadas da Alemanha, com grande participação na cena cultural alemã, em especial em Munique, sua cidade. Uma de suas frases favoritas é que “nós, os bávaros, somos para a Alemanha o que os índios são para os Estados Unidos”.
O filme foi lançado em 1987, e quem não teve a sorte de assisti-lo na tela grande sofreu um pouco com a baixa qualidade de imagem oferecida pelos videocassetes, na época a única de ver filmes em casa, além da televisão.
O lançamento do filme em Blu-Ray permite resgatar tanto a beleza da imagem quanto do som, dois aspectos fundamentais que garantiram o sucesso da obra por muito tempo. Para os amantes do bom cinema, esta é uma obra imperdível.

Título Original: “Out of Rosenheim”


Coluna Claquete 07/08/2017 - Filme da Semana: "Seu Nome" ("Kimi no na wa")



O público brasileiro já foi privilegiado com dois ótimos filmes que brincam com a ideia de troca de corpos entre um homem e uma mulher, “Se Eu Fosse Você”, com Tony Ramos e Glória Pires. Mas, e se essa troca ocorresse com duas pessoas que jamais e se viram, e pior: fossem adolescentes! Esse tema foi magicamente transportado para as telas pelo diretor japonês Makoto Shinkai, na animação “Seu Nome” (“Kimi no na wa”, JAP, 2016).
Mitsuha Miyamizu (voz de Mone Kamishiraishi) é uma jovem que mora em uma pequena cidade espremida entre o mar e a montanha, em algum lugar remoto do Japão. Mitsuha vive com a avó e a irmã mais nova, pois que o pai saiu de casa após a morte da mãe das meninas. Mitsuha tem uma vida normal, e divide-se entre a escola e as tradições da religião, da qual a avó procura passar para as meninas a filosofia e as tradições, que incluem a dança, a tecelagem e a produção primitiva de sakê. Como todos os jovens da cidade, Mitsuha sonha em mudar para um grande centro.
Bem distante dali, na moderna Tóquio, vive Taki Tachibana (Ryûnosuke Kamiki), um jovem secundarista que sonha ser arquiteto. Taki vive com o pai, e divide-se entre a escola e o trabalho em um restaurante italiano. Como todos os colegas do trabalho, Taki sente-se atraído pela Senhorita Okudera, um linda jovem um pouco mais velha que eles.

 
Um dia, o impossível acontece: os dois jovens trocam de corpo, e são obrigados a viver o dia a dia do outro sem ter a menor ideia de como isso aconteceu. A coisa fica ainda mais estranha pois são jovens ainda em crescimento, como todos os problemas, sonhos e dificuldades desta difícil fase de transição entre a infância e a maturidade.
O fenômeno acontece outras vezes, e eles precisam estabelecer entre si algumas regras de convivência, para não atrapalhar a vida do outro mais do que já estão sendo obrigados a suportar. Essa estranha comunicação leva ao nascimento de uma amizade que desperta nos jovens o desejo de se encontrarem face à face. Mas, um certo dia a troca de corpos e a comunicação deixam de acontecer, o que preocupa os dois.
 Como acontece com a maioria das animações japonesas, a qualidade é primorosa, tanto de som quanto de imagem. As paisagens da cidade da menina são excelentes, mas, as de Tóquio parecem ser mais reais do que a própria realidade. Podemos dizer que este é um produto de Makoto Shinkai, que escreveu o livro e o roteiro, dirigiu e editou. Foi também a primeira animação japonesa de grande sucesso fora dos Estúdios Ghibli.
Mas, o que encanta mais neste filme é a condução narrativa, que até a metade mostra de maneira lúdica a vida dos adolescentes japoneses com suas tradicionais fardas, mas depois vai assumindo tons de mistério, aventura, suspense, e até mesmo sobrenatural.
O filme trata de alguns conceitos interessantes, como o da palavra “musubi”. Este era o nome do guardião divino da região de Mitsuha. Musubi também pode significar a manipulação dos fios para tecer as tramas do tecido, mas também a conexão das pessoas, e mesmo o passar do tempo. A avó da menina resume dizendo que Musubi são todas as forças de Deus. E nestas forças é que os personagens encontram o necessário para mudar os seus destinos. Outra leitura que podemos fazer é que se nos colocamos no lugar do outro isso torna mais fácil a compreensão e a convivência.
No fundo, “Seu Nome” é totalmente romance, mas de um romantismo sutil, tímido e delicado, num retrato perfeito da própria cultura japonesa. É perfeitamente crível o nascimento de um amor entre duas pessoas com tamanho grau de separação, e não é surpresa o espectador se dar conta que está torcendo muito para que eles se encontrem.
Claro que não é para todos os gostos. Quem está acostumado com as comédias de high scholl americanas, com bebedeiras e pegações, é melhor permanecer com elas. Filmes como “Seu Nome”, principalmente sendo animações, está destinado ao espectador que desde criança ama os desenhos japoneses, e principalmente as produções da Ghibli. É para aqueles adultos que nunca deixaram de ter o coração de criança.
Título Original: “Kimi no na wa”