sexta-feira, 26 de março de 2004

26/3/2004 - Alta Frequencia


Filme Recomendado: “Alta Freqüência”

Ligação direta com o passado

A viagem no tempo é um tema freqüente, no gênero ficção científica, mesmo que essa viagem seja um mero "gancho", para uma história atemporal. Explico: em “O Exterminador do Futuro”, o robozão vivido por Schwarzeneger vinha do futuro para armar as confusões no ano de 1984. “A máquina do tempo”, de 1960, levou Rod Taylor para o futuro, e, a série “De volta ao futuro”, mostrou um vai-e-vem de deixar até H.G.Wells tonto. Mas, nenhum filme tinha explorado o tema, como o fez “Alta freqüência”.

A idéia é bem original: durante uma tempestade solar, semelhante a outra que ocorrera trinta anos antes, um policial desiludido consegue falar pelo rádio com um homem que, depois, identificou como sendo o seu próprio pai. O problema é que este morrera exatamente trinta anos antes, ao tentar salvar uma vítima de um incêndio. Sem que nenhum dos dois acreditasse muito, o filho avisa o pai do acidente e consegue evitar a sua morte.

O problema é que, ao modificar os acontecimentos passados, conseqüências graves se projetaram no futuro, com um assassino serial provocando a morte de muitas mulheres, incluindo aí a mãe do policial. Desesperado, ele tenta resolver o caso com a ajuda do pai, cada um em sua época, para descobrir e parar o assassino.

O filme mexe com um dos paradigmas da ficção científica que é a inviolabilidade dos acontecimentos. Para isso, foi criada a figura do paradoxo do avô. Imagine se alguém volta ao passado e mata o próprio avô. Sem o avô, ele não teria nascido e não voltaria ao passado para matar o avô. Em “Alta freqüência”, não só o passado é alterado, como tudo o mais é refletido instantaneamente no futuro. Apesar disso, o filme consegue transmitir mais verossimilhança do que o Di Lorean de Marty McFly.

Os únicos nomes conhecidos do elenco são Dennis Quaid, com seu eterno jeito de rebelde sem causa, e, Jim Caviezel, a estrela de “A Paixão de Cristo”, de Gibson. O filme consegue reunir ficção científica com suspense e ação, de forma a agradar gregos e troianos. Vale à pena conferir.

A edição latina de “Alta freqüência” está abaixo do padrão aceitável para o que se desejaria de um DVD: formato de tela Full Screen ( 1.33:1) e trilha em inglês DD 5.1 e português 2.0. As legendas estão disponíveis em inglês e português. Só para comparação, a edição americana veio no formato Widescreen.

Como extras, tem trailer, cenas excluídas, trailers de outros filmes da produtora, entrevistas e dois documentários, um sobre radioamadorismo, e, um outro sobre tempestades solares. Tudo muito bom não fosse um pequeno detalhe: não tem legendas. É uma pena que a Playarte não tenha dado o devido cuidado a este lançamento. De qualquer forma, é um bom entretenimento. Aproveite!

sexta-feira, 19 de março de 2004

19/3/2004 - A Última Tentação de Cristo


Filme Recomendado: “A Última Tentação de Cristo”

Sempre gosto de dizer que cinema é um buraco de fechadura, através do qual se mostra o universo.Cada autor tem a sua maneira de passar a sua mensagem, e, muitas vezes, é incompreendido, pela forma que decidiu assumir. Isso aconteceu com “A Ultima Tentação de Cristo”, de Martin Scorsese, que mereceu uma indicação para o Oscar de Melhor Diretor.

Scorsese mostra a vida de Cristo de um ângulo diferente. Jesus (Willem Dafoe) é um carpinteiro, que fabricava artefatos de madeira, e, entre eles, cruzes, para os romanos. Desde a infância, era atormentado por vozes, em sua cabeça, que o faziam pensar que era louco. Um amigo, Judas Escariotes, cobrava-o por não unir-se aos revolucionários, que lutavam contra a dominação romana.

Decidido a encontrar as respostas para suas angústias, Jesus segue para o deserto, onde é submetido a tentações, e obtém suas revelações. Aos poucos, vai assumindo o seu papel de líder de idéias, arrebanhando um grande número de seguidores. Fatos conhecidos do Novo Testamento, são mostrados no filme, com minuciosa reconstituição de época, incluindo a ressureição de Lázaro, e a flagelação de Jesus.

Alguns pontos, porém, não passaram pela garganta dos mais conservadores. Um foi o papel de Judas, que normalmente é retratado com um pérfido traidor, e, neste filme assume a posição de um soldado fiel, que é obrigado a entregar o amigo, a pedido dele mesmo. Para convence-lo, Jesus diz que a parte mais fácil, morrer na cruz, ficou para ele.

O ponto alto do filme, e horror dos ortodoxos, é quando um anjo ajuda Jesus a descer da cruz, e leva-o para um lugar, onde encontrará Madalena, terá filhos e uma vida tranqüila. Na verdade, esta é a “tentação”, do título, que mostra a verdadeira e derradeira aceitação do Salvador, em sua missão de nos redimir.

Longe de ser uma obra blasfema, “A Última Tentação de Cristo” é um dos filmes sobre religião mais instigantes já produzidos. Com poderosas interpretações de Willem Dafoe, Harvey Keitel e Bárbara Hershey, como Madalena, é uma obra digna de figurar em qualquer filmoteca. Apesar de não conter nenhum extra, o DVD traz o filme em formato de tela widescreen e som Dolby Digital 5.1.

Assista, e forme a sua própria opinião.

sexta-feira, 12 de março de 2004

12/03/2004 - "Jackie Brown"


Filme Recomendado: “Jackie Brown”

“Falem mal, mas falem de mim”. Esta famosa frase, atribuída a um conhecido ex-senador, pode não ser a filosofia de vida de Quentin Tarantino, mas é a sua realidade. Seria injusto, porém, dizer que só se fala mal dele. Ao contrário, seus filmes são amados ou odiados com a mesma paixão, mas, sem nenhuma unanimidade. Talvez, por conseguir despertar as emoções dos espectadores, é que o polêmico mix de diretor, produtor, escritor e ator, seja uma estrela, com brilho próprio, na constelação de Hollywood. Fugindo um pouco à regra, não costumo me apegar a um diretor, e sim, cada obra individualmente. Por ter uma percepção diferente para cada trabalho dele, considero "Jackie Brown" o melhor filme de Tarantino. Fãs de "Pulp fiction", deixem para atirar as pedras mais tarde.


Jackie Brown é uma negra de quarenta e poucos anos que trabalha como aeromoça numa empresa aérea mexicana de terceira. Para ganhar uns trocados a mais, Jackie faz às vezes de pombo-correio para um pequeno traficante de armas, Ordell Robbie, trazendo dinheiro de uma conta-fantasma no México. Numa destas vezes, foi surpreendida pela polícia carregando cinqüenta mil dólares. Como nas terras do Tio Sam é ilegal trazer mais de dez mil dólares sem declarar na alfândega, nossa heroína foi parar na cadeia.


Além de Jackie, Ordell tinha problemas com outro funcionário seu, Beaumont. Jovem e irresponsável, Beaumont fora preso dirigindo embriagado, com uma arma ilegal no carro. Juntando isso aos seus antecedentes, pegaria certamente dez anos de prisão, dos quais só se safaria se delatasse seu patrão. Ordell somou dois mais dois e logo despachou Beaumont para o andar de cima.

Para tirar Jackie da cadeia, Ordell usa os serviços de um agente de fiança ( uma espécie de despachante legal), que se encarrega de tomar conta de pessoas em liberdade condicional. O agente é Max Cherry, cinqüentão prestes a aposentar-se, que é tomado por uma imediata e estranha atração por Jackie.


Ordell continua tentando manter os negócios em ordem, e agora conta com a ajuda de um velho companheiro de prisão, Louis. O novo agregado ainda ressente-se de um longo período atrás das grades e a visão da jovem namorada de Ordell não ajuda muito sua readaptação. Melanie, jovem e linda, só tem dois prazeres na vida: assistir TV e drogar-se.


Enquanto continua sendo pressionada por policiais federais para entregar Ordell, Jackie sofre veladas ameaças do próprio chefe. Sem alternativa viável, ela resolve executar um plano mirabolante para enganar todo mundo e fugir com a grana do traficante.


O filme é um belo exercício de suspense, muito presente em filmes policiais de todos os tempos. Alguns aspectos, porém, tornam "Jackie Brown" acima da média. O mais importante foi a escolha do elenco, que sustenta toda a trama.


As figuras mais conhecidas, Samuel Lee Jackson, Robert de Niro, Bridget Fonda, Michael Keaton e Chris Tucker ficaram com os papéis secundários. Jackson encarna o traficante Ordell, com rabo-de-cavalo, barbicha e sotaque de gueto. Niro, com cara de quem apareceu de última hora, faz o ex-presidiário. Keaton é o agente federal que prende Jackie. Bridget, linda e talentosa, está ótima como a surfista drogada enquanto Chris Tucker cumpre seu eterno papel de grilo falante sumindo logo no início do filme. Os papéis principais ficam mesmo com Pam Grier e Robert Foster, ótimos atores que durante três décadas só fizeram papéis secundários no cinema e na TV. O mais notável papel de Foster foi o seu filme de estréia, "Reflexions in a golden eye", com Elizabeth Taylor e Richard Burton.


Se só recentemente uma atriz negra ganhou o Oscar, pelo menos Pam mereceu a indicação para o Globo de Ouro, por sua atuação como Jackie. Também, por este filme, Foster foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante e Jackson ganhou o Urso de Prata de melhor ator no Festival de Berlim.


Outra artifício interessante, que Tarantino já havia utilizado em "Pulp fiction" é a condução da narrativa. Normalmente, uma história é contada como acontece na vida real, com fatos simultâneos contados em série ( lembram do "Enquanto isso, na "Sala da Justiça"...?). O diretor consegue usar isso brilhantemente, num momento de suspense quando Ordell vai pressionar Jackie, e logo depois subverte tudo, ao mostrar uma seqüência de fatos em um shopping center. Nesse ponto do filme, o mesmo intervalo de tempo é mostrado três vezes, sempre de um ponto de vista diferente, resultando num conjunto muito original.


Um terceiro aspecto curioso deste filme é a maneira como a violência é apresentada. Diferente do jeito explícito e até banal de "Pulp fiction", em "Jackie Brown" tudo é mais escondido, submerso. A seqüência da morte do personagem de Chris Tucker é o melhor exemplo isso. Tudo é mostrado à distância, apenas confirmando o que o espectador já antecipa. Todas as ações e reações são inesperadas, fugindo ao lugar comum dos filmes policiais tipo "bateu-levou".


Se o filme é ótimo, a edição nacional em DVD ficou devendo, e muito. Com formato de tela Full Screen e áudio em inglês e português, perdeu-se muito do projeto fotográfico do filme. Como extras, sinopse, notas sobre elenco, trailers de outros filmes e uma entrevista com Robert de Niro e Quentin Tarantino. Uma lástima.

Se a qualidade do DVD não deverá estimular os colecionadores, a beleza do filme em si certamente justifica a locação. Fugindo ao padrão onde só o jovem é belo, Tarantino mostra um belo caso de amor entre pessoas maduras, que ainda acalentam fantasias românticas ( e tem todo direito de fazê-lo). Também são mostradas as barreiras, muitas vezes intransponíveis, que as pessoas constroem ao redor de si mesmas e dificultam a realização de seus sonhos e desejos mais íntimos. Recomendo.

sexta-feira, 5 de março de 2004

05/03/2004 - "As Virgens Suicidas"



Filme Recomendado: “As Virgens Suicidas”

As virgens de Sofia

Ao longo de minha vida de cinéfilo, descobri que um filme pode ser - e normalmente o é - "classificado" pelo gosto. Apesar de ser uma visão pessoal, existem os filmes que adoramos, os que detestamos e aqueles em que ficamos na dúvida sobre o que sentir. Talvez não seja por acaso que geralmente sejam estes últimos os que mais suscitam reflexões sobre o seu conteúdo. É neste grupo que coloco “As virgens suicidas”, estréia da diretora Sofia Coppola, baseado no romance homônimo de Jeffrey Eugenides. É um filme que trata de conservadorismo, repressão, honra, desilusão e morte, entre outras coisas.

O enredo não tem nada de anormal, a não ser pela excepcionalidade da tragédia ali retratada: o suicídio coletivo de cinco garotas de uma mesma família, entre treze e dezessete anos. Os fatos são mostrados através da ótica confusa dos adolescentes vizinhos às garotas. Como são eles os narradores, desde o começo é admitido que não existe explicação plausível. Na verdade, as razões para a tragédia são expostas para que o espectador firme o seu próprio julgamento.

A narração inicia-se com a tentativa de suicídio da caçula das cinco irmãs Fontaine. A menina corta os pulsos no banheiro e é salva por conta do voyeurismo de um dos garotos da vizinhança. Ao ser questionada em suas razões pelo terapeuta, ela responde que nenhum homem jamais saberá o que é ser uma mulher aos treze anos. Este é o modo com que a diretora, também responsável pelo roteiro, vai abrindo o pequeno mundo que descreve.

A família Lisbon era composta pelo pai, um alienado professor de matemática, a mãe católica extremada e as cinco filhas mulheres. As meninas jamais haviam saído com rapazes, mesmo as mais velhas. Por recomendação do terapeuta da caçula, a família resolve fazer uma festinha em casa, que culmina com uma nova tentativa de suicídio da garota, desta vez bem sucedida.

Após a tragédia, a família foi aos poucos voltando à normalidade. O gostosão da escola, Trip Fontaine, acostumado a ser bajulado por todas as mulheres, tem os brios feridos ao ser ignorado pela linda Lux Lisbon. Decidido a conquistá-la, Trip usa todo o seu charme com a família, e consegue levar Lux para o baile do colégio. Para isso, reuniu mais três colegas para acompanhar as outras irmãs.

No melhor estilo cafajeste, Trip seduz Lux e abandona-a em plena festa, desencadeando a fúria da colérica mamãe Lisbon. Transformando a casa numa prisão, a mãe impede as filhas até de frequentar a escola, obrigando Lux a destruir todos os discos de rock e acelerando o processo de auto-destruição da família.
Numa tentativa de ajudar as meninas, os garotos da vizinhança estabelecem pelo telefone um diálogo musical de uma beleza enternecedora ( aliás, a trilha sonora do filme é toda bonita). Lux transforma-se radicalmente. De menininha inocente vira a vadia do bairro, transando até em cima do telhado. A desestruturação das garotas culmina com a morte coletiva de todas. Os pais afirmam não ter idéia dos motivos que as levaram a isso e acreditam piamente que não tem nenhuma culpa.

“As virgens suicidas” chama a atenção para um problema que faz parte da realidade americana: o suicídio juvenil. Essa tragédia também é comum nas culturas orientais, em particular na japonesa. Embora ambas apresentem a mesma perda inútil de vidas, no Japão o suicídio é considerado uma solução digna para manter a honra do indivíduo e da família. Já no Ocidente, é simplesmente o fundo do poço, o resultado da desesperança de uma sociedade que não tem um futuro a oferecer aos seus jovens. Para se ter uma idéia da tragédia americana, estatísticas recentes mostram que um em cada cinco jovens já tentou suicídio. Qual será o futuro de uma nação com tal sustentação?

Além da excelente reconstituição de época ( a história passa-se em meados da década de setenta), o filme sustenta-se nas quatro figuras centrais do elenco. James Woods assume com perfeição o pai demente, que vive imerso entre equações matemáticas, falando com as flores e ignorando as filhas, deixando-as sob a responsabilidade da mãe. Esta é vivida por uma Kathleen Turner absolutamente irreconhecível, gorda, feia e irascível, que nada lembra a sexy garota de "Tudo por uma esmeralda".

O casal jovem também está irrepreensível. Kirsten Dunst, a menininha de "Entrevista com o vampiro" constrói uma personagem que mescla a mais pura inocência à uma sensualidade à flor da pele. Josh Hartnett, recria o garotão mau-caráter que leva a família Lisbon à destruição.

Em sua estréia na direção, Sofia contou com a assessoria do paizão, mas surpreendeu a indústria, ao escrever o roteiro, e, convencer os produtores a fazer o filme. Se levarmos em conta o pouco apelo comercial do filme, vê-se que foi um grande feito.

A edição latina em DVD está bem feita, com formato de tela widescreen, áudio em inglês ( Dolby Digital 5.1), português e espanhol, legendas em português, inglês e espanhol e diversos extras. Além do trailer de cinema, há galeria de fotos, um videoclipe e um pequeno documentário ( legendado em português), com os bastidores da produção.

O filme “As virgens suicidas” foge do padrão comercial a que estamos acostumados. Não tem nada a ver com as comédias de adolescente que entopem as locadoras. É um filme bonito, mas, melancólico, onde já se sabe de antemão o destino das personagens. Contudo, é um belo exercício de cinema e que desperta questionamentos sobre como martirizamos as pessoas que mais amamos. Assista com o coração aberto.