sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

27/02/2004 - "Os 27 Beijos Perdidos"

Filme Recomendado: “Os 27 beijos perdidos”

A luz da estrela moribunda

Onde estão os vinte e sete beijos perdidos de Nana Dzhordzhadze? Se nunca ouviu falar nela ou numa atriz iniciante chamada Nuza Kuchianidze, que tal dar um passeio na Rússia, numa viagem cheia de simbolismos? Ao invés dos atormentados e arrastados clássicos russos, "Os 27 Beijos Perdidos" é uma comédia de humor sutil e quase ingênuo, mas recheado de belas imagens, interpretações interessantes e um roteiro bem amarrado.

A história passa-se no interior da Rússia, numa época não muito bem determinada, quando Sibylla, uma adolescente de catorze anos chega a uma pequena vila para morar com a tia. Já na chegada, encontra as duas pessoas com que iria formar o mais improvável triângulo amoroso: Mika, da mesma idade de Sibylla e Alexander, o pai do garoto.

Desenvolta e provocante, Sibylla choca a todos por sua inocência despudorada. Mika apaixona-se por ela no instante em que a vê, mas Sibylla só tem olhos para o pai dele, um astrônomo que vive noite e dia com a cabeça nas estrelas. A pequena vila tem os mais estranhos e curiosos personagens. O militar incompetente, sua mulher vadia, a sogra repressora, o diretor moralista, etc. Ao longo do verão, suas vidas entrecruzam-se com amores, brigas, traições, solidariedade, enquanto Mika tenta chegar ao coração de Sibilla e esta do de Alexander.

Embora seja uma tragédia anunciada, "Os 27 perdidos" são um retrato da Rússia em transição. Através de seus personagens, pode ser formado o quadro de um país outrora poderoso em busca de uma nova identidade. Algumas imagens são absolutamente mágicas, como o barco que viaja pelas ruas do vilarejo à luz de uma lua feérica. Outras são intrigantes e divertidos, como o uso de livros de Marx para chegar ao prazer, o diretor que morre na cama da recatada professora de francês, ou o portentoso amante que descobre que rolamentos e sexo não combinam...

Seria a nova Rússia a jovem Sibylla, que balança seu coração entre o futuro incerto de Mika ou o conservadorismo maduro de Alexander? Ou é o velho barco que após sete anos submerso, segue em busca do mar que o abandonou? O medo do futuro é justificado pela fala de um dos personagens: "só os tolos não tem medo"...

Independente dos simbolismos, este é um filme leve e divertido, tecnicamente muito bem feito. A fotografia é brilhante, em especial nas cenas noturnas. As paisagens são fantásticas, de uma Rússia pouco conhecida mas não menos interessante. O elenco está perfeito, com destaque para o casal jovem, Shalva Iashvili (Mika) e Nuza Kuchianidze ( Sibylla). Esta fita participou do Festival de Cannes 2000 e ganhou o prêmio especial do Júri do Festival de Bruxelas e prêmio do público do Festival de Montpellier, ambos em 2001.

A edição brasileira em DVD é produzida pela Europa Filmes, que não é muito generosa nos conteúdos. Contudo, o formato de tela foi mantido em widescreen e o som só está disponível no original russo com som estéreo, o que não prejudica a maravilhosa trilha sonora do filme. As legendas estão disponíveis em inglês e português. Como extras, apenas notas de produção e elenco.

Apesar de algumas cenas de breve nudez, o filme é muito mais leve que as minisséries em cartaz na nossa televisão. Além de ser um conjunto harmonioso de sons e imagens, o enredo caprichado de "Os 27 Beijos Perdidos" mostra que se pode misturar humor, emoção e técnica. Ao contrário do que apregoa a propaganda do tio Sam, ainda existe vida inteligente nos escombros da cortina de ferro. Confiram.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

20/02/2004 - "O Espelho Tem Duas Faces"


Filme Recomendado: “O Espelho Tem Duas Faces”

Pode existir um casamento sem sexo? Sim, segundo a teoria de Gregory Larkin, um professor de matemática da Universidade de Columbia. Fascinado pela beleza da simetria matemática, ele achava que o sexo provocava fortes reações emocionais nas pessoas e por isso mesmo, seria mais duradoura uma relação onde o maior atrativo fosse a amizade e não o amor. Claro que isso acontece no filme “O espelho tem duas faces”, dirigido e estrelado pela musa Barbra Streisand.

Barbra interpreta Rose, uma professora de literatura inglesa que vive sufocada entre a mãe e a irmã, que ao contrário dela, sempre tiveram a beleza entre os principais objetivos. Rose, o patinho feio, é gordinha e retraída, fugindo aos encontros como o diabo foge da cruz. Refugia-se no trabalho e nos rituais de sua vida, como o elaborado preparo da primeira e perfeita garfada.

Quando Gregory publica um anúncio procurando a companheira, onde a candidata deve ter mais de 35 anos, ser PhD e “a aparência não é importante”, recebe uma pilha de respostas, onde se destaca a de Rose. Na verdade, quem mandara a carta fora a irmã dela, Claire. Curioso, Gregory assiste uma aula de Rose, onde fica fascinado pela atenção que a professora consegue manter nos alunos e com o tema da aula, o amor romântico dos contos de cavalaria, que vê cair como uma luva em sua teoria do amor sublime.

Gregory consegue sair com Rose para jantar e os dois descobrem que existe muito em comum entre os dois. Depois de muitos encontros, e até uma importante ajuda para que Gregory melhore suas aulas, resolvem casar-se, seguindo a linha da união casta.

Dividida entre o que sente por Gregory e sua própria concepção por amor, Rose aceita o casamento, embora a necessidade do sexo termine sendo um ponto de ruptura entre os dois. Gregory afasta-se por três meses para conferencias na Europa, enquanto Rose resolve dar uma guinada em sua maneira de ser e agir. Deixando os doces e tortas de lado, lança-se em academias, regimes, salão de beleza e outros oráculos da beleza, deixando os homens de sua vida de queixo caído.

A verossimilhança desta moderna versão da gata borralheira não é o mais importante, assim como a criticada onipresença de Streisand. O ponto mais importante aqui é o ponto de mutação de Rose e as reações às suas mudanças. Uma mudança radical não é novidade na vida de ninguém. Uma separação, um novo emprego, uma casa nova, tudo isso pode provocar grandes mudanças nas pessoas envolvidas. O principal abalo não acontece com o elemento causador da mudança. Afinal de contas, o marido ou mulher que sai de casa, que muda de emprego ou de casa, teve (mais ou menos) o tempo e as razões para amadurecer sua decisão. Contudo, as pessoas que estão em sua órbita não esperam tal mudança, e são muito mais afetados por ela.

A rejeição de Gregory faz com que Rose questione sua vida e seus valores e resolva ir à luta para mudar tudo. Ela faz isso, não por Gregory, mas por si mesma. A rejeição da condição de patinha feia leva todos a repensarem suas relações com Rose e até as suas próprias maneiras de encarar o mundo.

Poderia existir o tal casamento sem amor e sexo, com duas pessoas saudáveis e maduras? Certamente não, pois a busca da paixão faz parte da condição humana, e é o que nos faz sentir vivos, de garotos adolescentes a pessoas septuagenárias. Se uma relação baseada no amor e no sexo será duradoura, isso é difícil dizer, pois há infinitos fatores e incógnitas nesta equação. Contudo, parafraseando o nosso saudoso Vinícius de Morais, “que seja infinito enquanto dure”. Ou como diz Rose no final de sua aula, “enquanto dura, é bom pra caramba!”.

O filme está disponível em DVD, da Columbia Tri Star, com áudio em inglês, português e espanhol, legendas em português e inglês e formato de tela widescreen. Como extras, apenas trailers de cinema. Além da trama alegre e romântica, o filme traz a rara oportunidade de ver em ação alguns dos monstros sagrados do cinema, como Lauren Bacall e George Segal. Isso e mais a fantástica fotografia do filme já justificam a locação. Recomendo a todos.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

13/02/2004 - "O Caminho Para Casa"

Filme Recomendado: “O Caminho Para Casa”

Coração de porcelana

Distante do tempo em que filme chinês era de kung fu, os filmes que tem chegado do Extremo Oriente tem sido de uma qualidade de fazer inveja a qualquer produção de Hollywood. São pérolas como o vietnamita “Três estações” e os chineses “Nenhum a menos” e “Último entardecer”. A eles vem se juntar “O Caminho Para Casa” de Yimoou Zhang.


A história de filme é de uma simplicidade assustadora: um jovem retorna para a sua aldeia natal ao receber a notícia de que o pai falecera. Este era o único professor da aldeia, onde ensinara por quarenta anos. Ao chegar em casa, o rapaz sabe que a mãe quer que seja cumprida uma antiga tradição da região: o morto deve ser conduzido a pé para que não se perca a caminho de casa.


Nesse retorno a seu local de origem, o jovem revive a história de amor dos seus pais. No lugar e na época em que viviam, onde todos os casamentos eram negociados pelas famílias. Di, jovem inculta do interior, já recusara vários pretendentes. Quando Changyu, um jovem da cidade para ser o professor local, ela se apaixona por ele.
Indiferente a esse abismo cultural que os separava, Di chega quase a morrer - literalmente - devido a esse amor. Até aí, nada que já não tenha sido visto mil vezes nas telas de cinema.
A diferença deste filme é o tratamento delicado que é dado ao relacionamento dos dois jovens. Diferente de nossas novelas, onde no primeiro encontro os jovens já vão para a cama, o comportamento dos jovens chineses pode até parecer ridículo. Não é, pelo menos para quem conseguir partilhar da inocência de um primeiro amor.
O filme é belo, seja pelas paisagens de tirar o fôlego, pela música suave e enternecedora, seja pelo romance delicado e dolorosamente real. Não é sem razão que sentimos a dor de Di ao partir-se o vaso de porcelana que continha as iguarias para seu amado. Com ele se partia também o coração da moça e todos os seus sonhos mais lindos.
Nesse universo ainda convive a mãe cega, que perdera a visão de tanto chorar a perda do marido, mas que é capaz de enxergar o que os outros não viam. É dela a iniciativa de mandar consertar a tigela partida, de valor inestimável para a garota.

Na busca para satisfazer a vontade da mãe, o filho do professor termina encontrando muito mais do que procurava. O valor do pai, a amizade e apreço de pessoas desconhecidas ou há muito esquecidas, bem como as próprias raízes que pensara ter cortado. A volta para casa não fora só do pai. O romance, a cultura e a tradição o levam a uma última homenagem ao velho professor.
A versão nacional do DVD ( que não foi lançado nos Estados Unidos em vídeo ou DVD) está excelente. O formato original do cinema permite apreciar a bela fotografia do filme e o áudio está em mandarim, permitindo ouvir a musicalidade da língua chinesa. Infelizmente não existem extras, mas este é um caso em que o conteúdo do filme já está muito bom. A trilha sonora é um espetáculo à parte, com melodias suaves e bem integradas às imagens. A atriz que personifica a Di jovem é Ziyi Zhang, a mesma que fez a esposa jovem em “Lanternas vermelhas” e mais recentemente, a guerreira mascarada de “O tigre e o dragão”.
É interessante observar os três momentos dessa promissora atriz, mas acima de tudo apreciar um bom momento da Sétima Arte nesse filme sensível e agradável aos sentidos. Recomendo a todos.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

06/02/2004 - "Neve Sobre os Cedros"

Filme Recomendado: “Neve Sobre os Cedros”

O filme “Neve Sobre os Cedros”, trata, entre outras coisas, dos campos de concentração para nipoamericanos, durante a Segunda Guerra Mundial. Este é um assunto que a maioria dos americanos preferiria esquecer, pois trata-se de uma das maiores injustiças feitas a um grupo étnico na nação símbolo da democracia mundial. Mas, quando se sabe que, até crianças afegãs são mantidas como prisioneiros de guerra em Guantânamo, dá para sentir que certas coisas nunca mudam.

Quando falo na questão do preconceito, é porque esta foi a maior motivação usada para a repressão da América a cidadãos seus, que inclusive lutaram bravamente nos campos de batalha da Europa. Só para se ter idéia, o batalhão 442º do Exército Americano, que era formado por nipoamericanos, sofreu 9000 baixas e foi o mais condecorado de todo o Corpo. A medalha Coração de Púrpura, que é dada aos feridos em combate, foi adotada porque era o símbolo deste batalhão.

O orgulho completa o quadro da história deste filme. Um americano e uma nissei conhecem-se desde crianças, e, mantém um relacionamento secreto, por ser indesejado por ambas as sociedades. Quando a guerra estoura, a jovem é levada com a família para um campo de concentração, com milhares de outros japoneses, enquanto o rapaz vai lutar no front. Como se poderia esperar, a separação acontece e depois a jovem casa-se com um rapaz de sua própria raça. Anos mais tarde, este é acusado de ter cometido um crime, ocorrido em circunstâncias misteriosas.

Em meio a inúmeros flashbacks, a ação passa-se num tribunal, onde está em julgamento não apenas a suspeição de um crime, mas toda uma carga de ressentimento e preconceito de parte a parte entre os outrora amigos. O antigo namorado da moça, profundamente magoado com o abandono e com suas próprias desditas, terá papel decisivo no que poderá definir o resto da vida do seu rival.

O filme conseguiu fazer um equilíbrio interessante de suspense, romantismo, ação e principalmente na estética. A fotografia é primorosa e a música, que agrega muitos sons japoneses, é um ator a mais. Aliás, o elenco está muito bem, em especial Max Von Sidow, veteraníssimo ator sueco no papel de um decrépito advogado de interior, que a toda hora parece que será reduzido a pó pelo agressivo promotor. Para quem não se lembra, Sidow fez o papel-título em O Exorcista embora a galera jovem o conheça como o protetor do Juiz Dredd. Ethan Hawke, de Sociedade dos poetas mortos e Gattaca, está muito bem como o jovem e magoado jornalista. Aliás, falando-se em jornalista, o filme faz uma homenagem especial ao profissional ético, que é capaz de resistir às pressões econômicas ( e até físicas) para manter seu papel como observador imparcial da sociedade.

A edição de “Neve Sobre os Cedros”, em DVD, está muito bem cuidada, com formato de tela Widescreen, áudio em inglês Dolby Digital 5.1, legendas em seis idiomas e diversos extras, que incluem comentário do diretor, Making Of de 21 minutos (que permitiu saber que várias pessoas que participaram das filmagens viveram efetivamente a experiência da deportação), cenas deletadas, trailer e notas de produção, elenco e sobre os campos de concentração americanos. Ponto negativo: nenhuma legenda nos extras, o que impede uma rica complementação do filme para quem não sabe inglês. Aliás, não só isso: em uma das cenas deletadas o diálogo é em japonês. Nem sendo poliglota...

De qualquer forma, além de ser uma produção primorosa, o filme traz à tona alguns pontos obscuros da História e mantém o interesse aceso o tempo todo, revelando aos poucos o que o espectador precisa saber. Fique atento à condição física do jornalista, que só aparece no momento exato do filme. Assista, aprenda e divirta-se!