segunda-feira, 30 de julho de 2018

Coluna Claquete - Filme da Semana: "Saara"



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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com


Filme da Semana: “Saara”

 


Amor de cobra, veneno de homem


Sempre que eu acesso o Netflix lembro dos velhos tempos das locadoras, onde ficávamos horas remexendo nas prateleiras, lendo as sinopses e escolhendo os filmes para o final de semana. Para mim sempre era um prazer adicional quando descobria algum filme bem diferente dos blockbusters tradicionais, e procuro até hoje manter esse espírito de “garimpagem”. Foi assim que descobri a excelente animação “Saara”, quase no final de uma extensa lista proposta pelo site.
Embora pela Netflix a língua original do filme fosse indicado inglês, me chamou a atenção, nos créditos iniciais do filme, ser uma produção franco-canadense. Ao mudar o áudio para francês, reconheci de imediato a irreverente voz do ator Omar Sy, que ficou famoso por sua caracterização em “Intocáveis” (“Intouchables”, FRA, 2011), ao lado de François Cluzet!
O elenco que compõe o quadro de dubladores desta animação inclui a talentosa atriz e cantora Louane Emera (“Família Bélier”), o vencedor do Oscar Jean Dujardin e vários outros grandes nomes do cinema francês.
Mas, nada adiantaria esse talento sem uma boa história, e nesse ponto o filme também não decepciona. Partindo de uma ideia original do diretor Pierre Coré, a animação conta a história de duas cobras pertencentes a etnias diferentes, que são unidas pelo desejo de fugir do seu meio.
Ajar (Omar Sy) é uma cobra do deserto, que vive nas rochas do deserto, e é ridicularizado por seu grupo por não ter sofrido a primeira mudança de pele, o que o caracteriza ainda como adolescente. Seu único amigo é o escorpião Pitt (Franck Gastambide), que foi salvo por Ajar após perder sua família.
Num oásis próximo, em meio a uma vegetação luxuriante, Eva (Louane Emera) é a filha do rei do seu grupo, e vive constantemente sob a pressão do pai para que se case com um jovem do seu meio. Ela vive tentando fugir do oásis, mas o condor Chefe (Ramzy Bedia) está sempre vigilante para trazê-la de volta.
Enquanto Ajar quer viver no oásis, Eva quer conhecer o deserto. Quando os dois se encontram, a perseguição do Chef fará com que caiam em um rio subterrâneo, levando-os para longe dali. Posteriormente, Eva é capturada por beduínos, para ser usada pelo encantador de serpentes Omar (Grand Corps Malade).
Desesperado por ver Eva sendo levada, Ajar decide seguir os beduínos para resgatá-la. Nessa missão, ele será acompanhado por Pitt, e com a relutante ajuda do irmão de Eva, o doidão Gary (Vincent Lacoste).
A aventura segue em meio ao deserto, com muitas peripécias que vão de vagalumes carnívoros a turistas confusos, uma cobra galanteadora, Georges (Jean Dujardin) e outra muita ciumenta, a perigosa Alexandrie (Reem Khenci). Mas, o confronto final será com o animal mais perigoso da Terra, o homem.
Embora seja um filme voltado para o público infantil, “Saara” consegue diferenciar-se de seus congêneres hollywoodianos em muitos aspectos. Diferentemente das castas produções da Disney, existe um envolvimento romântico explícito – que chega a ser traduzido graficamente. Além disso, o filme fala de preconceito racial, bullying, drogas ilícitas, tráfico de animais e seres humanos, exploração de trabalhos forçados, etc..
Talvez por essa abordagem tão fora do usual, “Saara” não chegou a ser lançado nos cinemas fora da França, indo direto para o catálogo de streaming. O filme recebeu muitas críticas principalmente pela alusão ao consumo de drogas, mas talvez seja uma boa forma de contextualizar e explicar os perigos da dependência às crianças mais observadoras.
De qualquer forma, “Saara” é uma animação de excelente qualidade, feita nas melhores técnicas da atualidade, com uma história divertida e momentos de humor que agradarão crianças e adultos. Recomendo apenas que escolham o áudio em francês pela excelência dos dubladores nesta língua.

Título Original: “Sahara”

Coluna Claquete - Filme da Semana: "Manhattan"



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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com


Filme da Semana: “Manhattan”


Poema de amor em preto e branco

 
“Filme de intelectual é chato!”. Quantas vezes já não escutamos essa reclamação, e, diga-se de passagem, com razão. Boa parte dos filmes de Woody Allen, enquadra-se na categoria “intelectualóide”, destinado a coletar poeira, nas estantes das locadoras. Para quem percorreu uma imensa gama de temas e abordagens, Allen certamente terá obras suas enquadradas como chatas, e, outras, como geniais. Para o bem de todos e felicidade geral da nação cinéfila, “Manhattan” (EUA, 1979) está mais próximo desta última categoria.
O início do filme cativa, e, assusta. A abertura traz algumas paisagens de New York, ao som da belíssima Rhapsody in Blue, de George Gershwin, trazendo o espectador para a Big Apple, que reside na imaginação de todos. Contudo, a fotografia preto e branco e a narração em off de Allen, já deixa as pessoas com um pé atrás: “Ele adorava New York City, embora fosse para ele uma metáfora da decadência da cultura atual.”...
A história é complexa, assim como a vida real o é. Allen vive Ike Davis, um frustrado escritor de televisão, que sonha em escrever seu primeiro livro. Tendo sobrevivido a dois divórcios, Ike namora Tracy (Mariel Hemingway), uma linda secundarista de dezessete anos, a quem vive dizendo que nunca terão um futuro juntos, já que ele é vinte e cinco anos mais velho que ela.
Seu melhor amigo, Yale (Michael Murphy), tem um casamento sólido, mas mantém um relacionamento com outra mulher. A amante, Mary Wilke (Diane Keaton), uma jornalista metida a intelectual, troca farpas com Ike desde o primeiro encontro, mas aos poucos, vai desenvolvendo uma amizade com o escritor.
Ike tem seus próprios problemas, pois além de pedir demissão num arroubo, descobre que a ex-esposa, que o trocou por outra mulher, está escrevendo um livro sobre o casamento dos dois. Para complicar, começa a envolver-se emocionalmente com Mary, mesmo que esta ainda não tenha se desligado de Yale. Assumindo seu novo romance, Ike rompe com Tracy para ficar com Mary. Ponto. Se falar mais, estrago a surpresa.
Apesar da verborragia quase incessante de Allen, no seu constante padrão neurótico-obsessivo, a história flui sem problemas, porque relacionamento humano é um elemento universal. Adicionalmente, a belíssima fotografia pancromática e a deliciosa trilha sonora repleta de melodias famosas, transportam o espectador para um mundo criado por Allen apenas para nosso deleite.
Nesse mundo, a New York que existe é romântica e especial, sem nada a ver com ataques terroristas ou capitalismo selvagem. São belas fachadas, silhuetas estreladas por luzes, vitrines convidativas, restaurantes aconchegantes. Até a quitinete de Ike, com sua água enferrujada e barulho dos vizinhos, parece pitoresca. Nesse universo paralelo, é natural passear com o cachorro em plena madrugada, ou, receber uma ligação do analista às três da manhã.
O analista é uma constante no universo woodyano, pois todos são neuróticos de carteirinha. A honrosa exceção fica por conta de Tracy, que, nos seus dezessete anos, parece ser a personagem de maior maturidade nessa história toda.
O elenco está excelente, não só os veteranos Allen e Keaton, que viviam juntos na época, como também a novata Mariel Hemingway, estalando de nova, em seu segundo trabalho no cinema. O primeiro fora o drama policial “A Violentada”, com a irmã Margaux em 1976.
O filme foi lançado em DVD e posteriormente em BluRay, mas nenhum dos dois trouxe mais que o trailer de cinema. Contudo, o formato widescreen foi mantido, permitindo apreciar a bela fotografia do filme. Isso parece ter sido exigência do próprio Allen, pois mesmo em VHS o formato da tela foi mantido como no cinema. O áudio traz as opções inglês e espanhol 2.0, e as legendas em inglês, espanhol e português.
“Manhattan” foi mais uma ousadia de Allen, que vinha do premiado “Annie Hall”. Indiferente ao padrão da indústria, teimou em fazer um filme preto e branco, tratando do seu tema favorito, a cidade de New York. Mais do que uma simples declaração de amor à cidade, este filme é também um manifesto à juventude, como esperança de redenção da humanidade.
Este filme foi indicado para os Oscars de Melhor Roteiro Original, e Melhor Atriz Coadjuvante (Mariel Hemingway). As premiações mais importantes foram as do BAFTA, nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro, e do César, como Melhor Filme Estrangeiro. No total, foram 15 premiações e 23 indicações em todo o mundo.
Talvez o cineasta estivesse prevendo seu próprio destino, quando, anos mais tarde, viveria um caso de amor com a filha adotiva de sua ex-mulher, Mia Farrow, numa comprovação de que, algumas vezes, é a Vida que imita a Arte.

Título Original: “Manhattan”

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Coluna Claquete - Série da Semana: "A Ponte"



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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com


Série da Semana: “A Ponte”

A ponte da vingança



Nunca fui entusiasta de seriados, como a maioria dos meus amigos, mas a primeira que realmente me deixou entusiasmado foi a produção sueco-dinamarquesa “A Ponte” (“Bron/Broen”, SUE/DIN, 2011). Esta série não surpreendeu apenas a mim, mas além de granjear admiradores no mundo todo, gerou três adaptações, uma franco-inglesa, outra americano-mexicana, e uma terceira austro-alemã.
E o que torna essa série diferente de tantas outras? Nos primeiros minutos já somos surpreendidos com um inusitado caso policial que acontece na magnífica ponte que une os dois países. No meio da noite, exatamente no local onde fica a fronteira entre a Suécia e a Dinamarca, é encontrado o corpo de uma pessoa assassinada.
Como o corpo fora depositado exatamente na fronteira, as polícias dos dois países são convocadas, e acontece um jogo de empurra sobre quem deveria assumir o caso. Do lado sueco, a inspetora Saga Norén (Sofia Helin) não quer abrir mão do caso, o que parece muito conveniente para o dinamarquês Martin (Kim Bodnia).
Mas, quando o corpo é levantado, os técnicos percebem que se tratava de pessoas diferentes, que haviam sido cortadas ao meio. Ao investigar mais a fundo, descobrem que as vítimas eram oriundas dos dois países. Por conta disso, as duas polícias decidem fazer a investigação em conjunto.
O ritmo é mais lento que as costumeiras séries americanas, pois a história é meticulosamente desenvolvida ao longo de dez episódios, e a cada descoberta vão sendo descobertas novas pistas e acontecimentos que envolvem o passado de Martin e também a ponte que dá nome à série.
Apesar da ótima atuação de Bodnia, quem dá vida à série é a personagem de Sofia Helin. A policial Saga tem características de autismo que a levam a tomar atitudes pouco simpáticas ou mesmo muito estranhas, embora nada disso interfira com sua capacidade de elucidar crimes. Vários fatos de seu passado virão à tona ao longo das quatro temporadas da série, lançadas em 2011, 2013, 2015 e 2018, respectivamente.
Mas, não é apenas a história contada magnificamente que mantém a atenção do espectador. A música e a fotografia são excelentes, e a cena de abertura dos episódios é espetacular, tornando a dita ponte um personagem adicional da série. Aliás, falando-se em personagens, o que torna a história ainda mais crível é a ausências dos “personagens perfeitos”. Todos na série tem qualidades e defeitos, como qualquer ser humano. Um fato curioso são as cicatrizes que a atriz Sofia Helin tem no rosto, fato que seria inadmissível em Hollywood, ou mesmo nas terras tupiniquins.
O sucesso da série suscitou três remakes: “A Ponte” (“The Bridge”), com a ação acontecendo na fronteira entre Estados Unidos e México, “O Túnel” (“The Tunnel”), onde o crime acontece no Eurotúnel, que liga França e Inglaterra, e a recente “Der Pass”, ainda sem título em português, que acontece nos Alpes, entre a Alemanha e Áustria.
A primeira temporada das versões anglo-francesa e americano-mexicana seguiram a história original, com adaptações para os ambientes e problemas locais, mas as outras temporadas seguiram histórias próprias.
O sucesso da versão nórdica despertou a atenção do mundo para as excelentes séries suecas, dinamarquesas, norueguesas, finlandesas e até da remota Islândia, o que sempre é uma oportunidade de fugir da mesmice das séries americanas.
  

Título Original: “Bron/Broen”