domingo, 11 de agosto de 2019

Coluna Claquete - Filme Recomendado: "Encontrando Forrester




Newton Ramalho



Filme recomendado: “Encontrando Forrester”

O primeiro segredo para escrever é...escrever.


O que poderia haver em comum entre um adolescente bom de bola e um escritor desiludido, além do fato de ambos morarem num bairro mal afamado? Esse pequeno exercício de imaginação é para dar uma ideia do tema central do filme “Encontrando Forrester” (“Finding Forrester”,EUA,2000), que mostra a inimaginável relação de amizade entre um negro de dezesseis anos, muito habilidoso no basquete, e um escritor genial, que vive enclausurado por mais de quarenta anos após a publicação do seu único livro.
Moradores do Bronx, o bairro mais violento de Nova York, Jamal (Rob Brown) e Forrester (Sean Connery) só vem a se conhecer por conta de uma aposta de adolescentes. Sem que ninguém soubesse sua real identidade, o escritor vivia recluso em seu apartamento, não saindo nem para fazer compras. O mistério sobre ele era tanto, que a vizinhança só o conhecia por “Janela”, correndo mil e um boatos sobre a pessoa estranha e violenta que morava ali.
Por conta de um desafio dos amigos, Jamal invade o apartamento de “Janela”, mas é flagrado pelo proprietário. Na fuga, perde a mochila onde estão seus cadernos de anotações. Na escola, Jamal recebe o resultado de um teste nacional, onde conseguiu notas num nível muito alto, o que chamou a atenção da direção. Por conta desse resultado, e de sua habilidade nas quadras, foi convidado para estudar numa sofisticada escola particular, em Manhatan.
Nesse mesmo dia, recebe sua mochila de volta - literalmente caindo do céu - com os seus queridos manuscritos cheios de correções e apontamentos. Curioso, o jovem procura “Janela”, sendo recebido com aspereza pelo mesmo. Após alguma insistência, o jovem recebe permissão para entrar no apartamento, pois descobriram o que tinham em comum: o talento para escrever.
Enquanto melhorava o seu relacionamento com o estranho eremita, Jamal inicia seus estudos na nova escola, sendo recebido com carinho por Claire (Anna Paquin, a garotinha de “O Piano”), e com desconfiança por Crawford (F. Murray Abraham, o Salieri de “Amadeus”), professor de literatura, que não admite a ideia de que um jogador de basquete vindo do Bronx possa ter talento como escritor.
A rivalidade entre os dois atinge o máximo quando Jamal inscreve um texto no concurso literário do colégio. Por azar, o jovem usara o mesmo título de um artigo publicado numa revista por Forrester, muitos anos antes. Acusado de plágio por Crawford, fica entre deixar a escola, ou admitir por escrito a acusação.
Mais do que uma simples disputa entre professor e aluno, o filme tem o seu maior valor na construção delicada da amizade entre Jamal e Forrester, que provoca mudanças em ambos. Enquanto Forrester consegue mostrar para o jovem que ele pode ser muito mais do um simples garoto do Bronx, Jamal esforça-se para tirar o eremita de seu esconderijo, levando-o a exorcizar seus fantasmas do passado.
Sem nenhum efeito especial, nem cenários grandiosos, o filme apoia-se num elenco de primeira linha. No papel de Forrester, Sean Connery, monstro sagrado do cinema que só os mais maduros associam ao primeiro 007. Connery cria com perfeição seu personagem, variando entre a irascibilidade de um solitário à fraqueza inválida de uma criança perdida.
F. Murray Abraham consolida sua carreira em papéis de vilões, lembrando muito o implacável Salieri de “Amadeus”. Anna Paquin, a garotinha de “O Piano”, agora uma linda jovem, mostra que a indicação para o Oscar aos onze anos de idade não foi por acaso. E, como protagonista, o estreante Rob Brown, um jovem novaiorquino que interpretou Jamal sem nunca ter feito teatro ou cinema antes, partiria deste filme para uma sólida carreira na televisão.
O filme foi lançado em DVD com formato de tela widescreen, legendas em inglês, português e espanhol, e áudio Dolby Digital 5.1, em inglês, espanhol e português. Como extras, um especial “Por trás das câmeras”, produzido pela HBO, com quinze minutos, o documentário “Encontrado: Rob Brown”, com doze minutos, cenas deletadas, trailers de cinema, e filmografias. Detalhe: todos os extras são legendados.
Nestes tempos, onde os efeitos de computador reinam com absolutismo, é interessante ver um filme inteligente e sensível, onde as relações entre as pessoas mostram que o mundo é apenas o palco. Percebe-se o trabalho seguro de direção de Gus Van Sant, em cujo currículo estão “Gênio Indomável” (“Good Will Hunting”,EUA,1997), “Elefante” (“Elephant”,EUA,2003), “Milk: A Voz da Igualdade” (“Milk”,EUA,2008) e “Terra Prometida” (“Promised Land”,EUA,2012).


Coluna Claquete - Artigo: Do Além ao Apocalipse




Newton Ramalho



Artigo: Do Além ao Apocalipse



Como vivemos em um mundo saturado de informações, e é difícil absorver mais que uma ínfima parte delas, é comum as pessoas fazerem generalizações a partir de seus gostos pessoais. Assim, muitos imaginam que animações são produtos destinados às crianças, e que a Disney é que faz o melhor nessa área. Bom, é impossível negar a importância da Disney principalmente devido ao seu fundador, e que também, nos dias atuais, a aquisição da Pixar elevou o estúdio para outro patamar.
Contudo, um polo igualmente importante de produção de animações está do outro lado do mundo, o Japão. Os fãs irão pensar logo no Studio Ghibli, responsável por criações maravilhosas, como “A Viagem de Chihiro” (“Sen to Chihiro no kamikakushi”,JAP,2001), ganhador do Oscar 2003 de Melhor Animação. Na verdade, o país do Sol Nascente tem uma longa tradição de animações de altíssima qualidade – e nem sempre direcionadas para o público infantil.
Lembro que aqui no Brasil houve uma grande polêmica sobre uma propaganda de automóveis que utilizava uma animação com um enfoque adulto, exatamente por essa associação entre o desenho animado e o público infantil. No Japão existem animações para todos os públicos e gostos, indo de dramas bem pesados, como o comovente “Túmulo dos Vagalumes” (“Hotaru no haka”,JPA,1988) de Isao Takahata, até desenhos eróticos, os chamados hentai.
Deste universo maravilhosamente prolífico, tive a oportunidade de assistir recentemente duas belas animações, com temáticas bem diferentes: “Uma Carta para Momo” (“Momo e no tegami”,JAP,2011) e “Origem: Espíritos do Passado” (“Gin’iro no kami no Agito”,JAP,2006).
“Uma Carta para Momo” une uma delicada história de perda com elemento do folclore e cultura japoneses, tema recorrente nas animações nipônicas. Momo é uma menina de dez anos, que após a morte inesperada do pai, é obrigada a trocar a fervilhante Tóquio pela remota ilha de Shio, onde reside os remanescentes da família de sua mãe.
Além de perder o modo de vida ao qual estava acostumada, amigos e escola, Momo também é perturbada por uma estranha descoberta, uma carta que o pai começara a escrever, e que continha apenas as palavras “querida Momo”. Isso é agravado pelo fato de que, antes da morte do pai, ela tivera uma discussão séria com ele, o que ficou pesando em sua consciência.
Enquanto a mãe lida com suas próprias dificuldades, Momo tenta se adaptar ao bucólico ambiente da ilha, que a deixa terrivelmente entediada. É então que surgem em sua vida três estranhos seres sobrenaturais, que tem como missão zelar pela garota e sua mãe. O gigantesco Iwa, o flatulento Kawa e o infantil Mame atrapalham mais do que ajudam, inclusive no fato de que deveriam estar invisíveis, mas Momo consegue interagir com eles todo o tempo. Enquanto luta com suas próprias incertezas e pesares, Momo tem que controlar os atrapalhados seres, inclusive ajudando a salvar a vida de sua mãe.
“Uma Carta para Momo” é uma linda fábula de perda e superação, com ênfase nos bons valores de família, amizade e determinação. Apesar de perfeitamente normais para a cultura japonesa, todos os seres sobrenaturais são disformes e até monstruosos, diferindo muito dos fofos coadjuvantes das produções ocidentais. Na verdade, outra característica de animações japonesas é a ausência da dicotomia “esse é do Bem, aquele é do Mal”.
Em “Origem: Espíritos do Passado” encontramos outra temática muito frequente nos anime japoneses, a vida em um ambiente pós-apocalíptico. Essa fixação tem uma razão histórica: o Japão foi a única nação a sofrer um ataque nuclear que afetou toda uma população civil, com efeitos perdurando por décadas!
A história do filme se passa em cerca de trezentos anos no futuro, depois que plantas desenvolvidas em laboratórios na Lua destruíram a civilização da Terra e dominaram o planeta. A Floresta, uma entidade inteligente, não apenas derrotou os humanos, como também descobriu uma forma de utiliza-los, transformando-os em Humanos Intensificados.
Alguns desses humanos modificados conseguiram chegar a uma forma de coexistência com a Floresta, criando uma comunidade chamada Cidade Neutra, enquanto que os mais resistentes foram para outro lugar, entrincheirando-se em um reduto industrializado, a cidade da Laguna.
Na Cidade Neutra vivem Agito e Caim, dois meninos cheios de vida e sempre propensos a cometer algumas molecagens que contrariavam o rígido código de comportamento acertado com a Floresta. Numa dessas vezes, Agito penetra nas profundezas da montanha dominada pela Floresta, e descobre uma antiga espaçonave que trouxeram humanos da Lua.
Em meio aos destroços, Agito encontra uma cápsula com uma menina ainda em animação suspensa. Sua presença faz com que a cápsula desperte a menina, trazendo-a de volta à vida. Agito descobre que a menina pertencia à civilização antiga, e que se chamava Tula.
Enquanto Tula tenta se adaptar ao novo mundo, sua presença já fora notada tanto pela Floresta quanto pelos humanos de Laguna, onde também havia outro sobrevivente do passado. Um jovem chamado Shunack também sobrevivera e prestava serviços ao exército da cidade, graças a seus conhecimentos sobre a Floresta.
Não demora para que um destacamento de soldados de Laguna venha com Shunack em busca de Tula. Ela era filha de Sakura, um cientista que concebera uma solução para os humanos se libertarem da Floresta.
Shunack convence Tula a acompanhá-lo a uma antiga instalação militar projetada pelo Dr Sakura, e ativar sua solução contra a Floresta. Mas, Shunack tem sua própria agenda, e quando seus objetivos malignos são revelados, descobre-se que a atual situação da Terra são consequências de seus atos no passado. Agora, a esperança está em Agito, com o apoio de todos os humanos e vegetais.
“Origem: Espíritos do Passado” traz uma curiosa história sobre a relação do homem com a natureza, e dos perigos que podem abalar o delicado equilíbrio do mundo em que vivemos, com uma crescente e irresponsável atitude de pessoas e governos destruindo tudo de maneira inconsequente.
Diferente das recentes animações tridimensionais que tem chegado ao mercado, as produções japonesas ainda usam técnicas de desenho tradicionais em 2D, colocando mais ênfase nas histórias e expressões. Para quem ama o desenho animado, seja qual for a técnica utilizada, é sempre um prazer assistir essas histórias maravilhosas.


sexta-feira, 31 de maio de 2019

Coluna Claquete - O Nome da Rosa (minissérie)




Newton Ramalho




Artigo: Os nomes da rosa


A primeira vez que ouvi falar em “O Nome da Rosa” foi no início dos anos 1980, logo após a publicação do romance de Umberto Eco. O livro causou furor mundo afora, tanto pela interessante história como as inúmeras referências que trazia, saltando aos olhos a evidente ligação do protagonista Guilherme de Baskerville com o icônico Sherlock Holmes, detetive criado por Conan Doyle.
Um belo dia, estava eu conversando com um tio muito querido, igualmente amante de cinema e literatura. Ao ouvir algum comentário na TV, ele contou que tinha ido visitar um amigo no hospital, e viu o livro ao lado do paciente. A primeira coisa que o amigo falou foi para não contar nenhum spoiler, pois estava amando o livro e ansioso para saber o final. Meu tio concordou, e comentou que já estavam fazendo o filme em algum lugar da Alemanha, e que tinham construído uma biblioteca só para incendiá-la no final. O amigo quase estrangula o meu tio, e enquanto ele me contava isso entre risadas, tive que lembrá-lo de que eu também ainda não tinha chegado ao final do livro!...
Bem, spoilers à parte, a famosa biblioteca é queimada no livro, no filme homônimo de Jean-Jacques Annaud (“Der Name der Rose”, ALE/ITA/FRA,1986), e na recentíssima minissérie “O Nome da Rosa” (“The Name of the Rose”, ITA/ALE,2019). Talvez esse seja o único ponto em comum, já que são três obras diferentes, tentando contar a mesma história.
O livro “O Nome da Rosa” certamente é a obra-prima de Umberto Eco, um gênio com as palavras, que nos legou uma obra riquíssima em dados históricos de uma época particular da História da Humanidade, com uma profusão de detalhes que tira o fôlego do leitor ao enfrentar a leitura dos primeiros capítulos.
Transformar seiscentas páginas de literatura em filme é uma missão quase impossível, já que são linguagens diferentes, e é preciso traduzir em imagens cenas que são recriadas a partir de palavras no cérebro de cada leitor. Além disso, é preciso que o roteirista possua um poder de síntese fantástico, para conseguir condensar em 130 minutos os pontos principais do romance, eliminando as redundâncias da literatura e facilitando para o editor imprimir um ritmo agradável e surpreendente ao filme.
Não há dúvida de que o filme de Annaud, estrelado por Sean Connery e Chistian Slater, conseguiu o seu lugar no panteão das grandes obras do cinema, conseguindo quinze premiações e outras cinco indicações. Claro que houve pontos do livro que foram deixados de lado no filme, mas isso faz parte do processo de transposição da literatura para o cinema. Sean Connery conseguiu encarnar de tal maneira o personagem Guilherme de Baskerville que ficou incômodo e quase impossível  para qualquer outro ator repetir o personagem.
Quando eu soube que tinha sido feita uma minissérie com o mesmo tema, confesso que fiquei dividido sobre isso. Eu amo o livro e adorei o filme de 1986, e já fiquei receoso de como seria essa transposição para a televisão, já que foi produzido pela RAI italiana, com protagonistas americanos e falado em inglês.
Considerando a profundidade da obra de Umberto Eco, não há dúvida de que o formato de minissérie permitiria explorar melhor todos os nuances da história original. Contudo, o que se viu na tela foi o acréscimo de histórias paralelas que pouco tinham a ver com a trama principal. Foram introduzidos personagens novos, sem importância na história, e que foram descartados sem maiores preocupações.
E mesmo dispondo de um espaço enorme, já que foram dez capítulos com uma hora de duração cada, ainda assim foram resumidos e simplificados trechos da historia original que ficaram até melhor no filme de Annaud.
John Turturro se esforça bastante para criar um Baskerville com identidade própria, mas além de ser difícil competir com a imagem do personagem de Sean Connery, suas próprias limitações o impedem de atingir um resultado melhor. Rupert Everett não tem melhor sorte como o vilão Bernardo Gui, criando um personagem raso e sem criatividade.
E por falar em criatividade, foram observadas algumas mudanças inquietantes na história em relação ao livro. O final da minissérie traz um destino diferente para alguns personagens, o que sugere que podem surgir outras temporadas. Obviamente, a história terá que ser outra, pois a escrita por Eco já estaria esgotada nos dez episódios. O que vier, se vier, será por conta dos roteiristas.
É possível que o espectador que nunca tenha lido o livro ou visto o filme de Annaud venha a gostar da minissérie. É uma história com idas e vindas, assassinatos e segredos, referências históricas e até algumas doses de críticas sobre a relação da religião com o dinheiro. De qualquer forma, “O Nome da Rosa” é tão bom ou melhor do que muitos seriados que inundam os streamings e canais de assinatura. Se interessou, assista, mas já sabe que a biblioteca pega fogo no final!