Newton Ramalho
Filme da Semana:
“Cantinflas: A Magia da Comédia”
Antes da disseminação da televisão,
o cinema reinava absoluto como “a melhor diversão”, e após a Segunda Guerra
Mundial, a hegemonia de Hollywood era imbatível em todo o mundo. Isso também
alimentava uma guerra fratricida entre os grandes estúdios e a United Artists,
uma associação de atores encabeçada por Charles Chaplin, Mary Pickford e outros
companheiros.
É nesse momento, em 1955, quando as
superproduções se anunciavam, e os espectadores aguardavam ansiosos as estreias
de “Os Dez Mandamentos”, da Paramount, “Assim Caminha a Humanidade”, da Warner,
e “O Rei e Eu”, da Fox. A United Artists patinava, sem conseguir fazer andar o
ambicioso projeto de Mike Todd, “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, baseado no
famoso livro de Júlio Verne.
O problema maior era que Todd, além
de ter pouco dinheiro disponível, ainda queria incluir grandes nomes
internacionais interpretando pequenos papéis no filme. Claro que num mundo
extremamente capitalista, nenhum ator famoso de Hollywood tinha o menor
interesse nisso.
Uma das pessoas cogitadas por Todd
era o comediante mexicano Mario Moreno, conhecido como Cantinflas. Como a
maioria dos americanos, acostumados a enxergar apenas o próprio umbigo, Todd
sabia pouco sobre ele, além de ser famoso em seu país. Como não lhe restavam
mais opções, decide viajar até o México para apresentar-lhe seu projeto e
convidá-lo para participar dele.
Ao saber que teria apenas um
pequeno papel, de um cacique de uma tribo americana, e que a cena seria filmada
nos Estados Unidos, o ator mexicano recusa de imediato. Derrotado, Todd volta
para Hollywood acreditando que seu projeto vai acabar antes de começar.
Ao longo do filme, através de
inúmeros flashbacks, o espectador vai conhecendo a história de Moreno, um homem
de origem humilde, que sonhava em ser boxeador, e ao trabalhar em um pequeno
teatro de variedades revelou um notável talento para comédia e improvisação.
Naquele momento, Moreno, que
iniciara a carreira com o personagem “El Peladito”, o mexicano pobre e esperto,
que sempre conseguia escapar das piores situações de uma forma cômica, e que
tinha fácil identificação com a maioria das pessoas pobres do mundo. É fácil
perceber que a inspiração veio do vagabundo de Chaplin.
A origem do nome Cantinflas tem várias
teorias, nenhuma totalmente comprovada, mas uma delas é mostrada no filme,
quando um espectador bêbado ficou gritando “en qué cantina inflas?” (em que bar
você fica bêbado). Apesar da interrupção, Moreno gostou do som, e adotou o nome
artístico de Cantinflas. Um reflexo de sua fama é a existência do verbo
“cantinflear”, que significa falar muito e não dizer nada.
Lutando contra as dificuldades da
profissão, e contra o corporativismo da indústria de entretenimento em seu
país, logrou criar uma associação independente de atores, livre da corrupção
reinante no meio.
Quando Todd o procurou, Moreno já
era um homem milionário, extremamente bem sucedido na profissão, havia feito
dezenas de filmes, não apenas atuando como comediante, mas também produzindo,
escrevendo e cantando em muitos deles.
O filme também mostra a complicada
relação com a única mulher do ator, Valentina Ivanova, e a dificuldade de
conciliar uma vida conjugal com o assédio dos fãs e a eterna luta com as
corporações.
A entrada de Cantinflas no elenco
de “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” não só garantiu o financiamento do filme,
como se tornou um dos maiores atrativos para o público da América Latina, que o
adorava. Mas, mesmo ante o sucesso do filme, Hollywood não aceitaria
Cantinflas, que voltou para seu público fiel.
O filme, estrelado por David Niven,
Cantinflas e Shirley MacLaine, ganhou cinco Oscars (Melhor Filme, Roteiro
Adaptado, Fotografia, Edição e Canção), sendo ainda indicado para Diretor,
Direção de Arte e Figurino. O filme ainda renderia o Globo de Ouro de Melhor
Ator, para Cantinflas, e de Melhor Filme no gênero Drama.
Uma curiosidade para nós,
brasileiros, é que “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias” foi a primeira
superprodução exibida em horário nobre após a inauguração da transmissão de
televisão em cores no nosso país.
Mario Moreno morreu em 1993, aos 81
anos, deixando como legado não apenas mais de cinquenta títulos no cinema, como
também uma grande obra beneficente, e uma dedicação à sua pátria como poucos o
fizeram.
“Cantinflas: A Magia da Comédia”,
além de resgatar este personagem de grande importância para o cinema mexicano e
mundial, é uma produção muito bem feita, com um roteiro inteligente, que conduz
duas linhas de história até sua convergência.
O filme traz uma boa recriação de
época, e reúne um elenco com notável semelhança com os personagens originais,
destacando-se o ator Óscar Jaenada, que além do físico, reproduz com fidelidade
os trejeitos e falas do inesquecível Peladito.
Recomendo a todos que procurem o
filme, pois além resgatar um personagem notável, traz também de volta às nossas
memórias afetivas um tempo em que se fazia humor com uma malícia inocente,
vividas por outros grandes comediantes como Chaplin, os irmãos Marx, Harold
Lloyd, e aqui no Brasil, Mazzaropi e Renato Aragão.
E, um último lembrete: não desligue
imediatamente após o final, nos créditos e mostrado um hilário balé
protagonizado por Jaenada e Aranzta Muñoz ao som do Bolero de Ravel!