Resenha do documentário “Cais do Sertão”
Oriundo que sou das plagas paraibanas, até o final dos anos
70 não sabia nada de Natal, a não ser o título de “capital espacial do Brasil”,
e - vejam só - a feira do Alecrim, comparável às suas congêneres de Caruaru e
Campina Grande. Três décadas depois, radicado como papa-jerimum, tenho a honra
de comentar o documentário “Cais do Sertão”, sobre o bairro do Alecrim, que
considero o mais interessante da cidade.
O bairro do Alecrim sempre fez parte da minha vida, embora
eu nunca tenha morado lá. Mas, foi lá que me hospedei, nos primeiros dias em
que vim morar em definitivo, foi onde a filharada estudou, no tradicional
Colégio da Neves, o primeiro e o único jogo de futebol que assisti no saudoso Castelão,
foi América e Alecrim, e foi naquele emaranhado de ruas e avenidas que sempre
busquei a solução de muitos problemas domésticos e veiculares.
Acredito que, como eu, muitos natalenses pensam no Alecrim
como o primeiro lugar para encontrar o que não existe ou é difícil em outros
bairros da cidade. Peças de carro, oficinas, acessórios eletrônicos, tecidos,
móveis, discos e livros usados, quinquilharias chinesas, calçados de todos os
tipos, produtos e ferramentas agrícolas, camisas da seleção, etc., etc..
Mas, o que talvez mais expresse o amor pelo bairro seja o
prazer de, simplesmente, passear erraticamente pelas ruas, largas ou estreitas,
retas ou tortuosas, olhando produtos que nunca se vai usar, ou, fazer uma
“feira” nas lojas de 1,99, comprando coisas que nunca funcionarão ou que mal
resistem à primeira utilização.
Esse espírito do amor ao bairro, foi magnificamente
capturado pelo diretor e jornalista Paulo Laguardia em seu documentário “Cais
do Sertão”, por ocasião do centenário do mesmo, onde conseguiu, em 52 minutos primorosos,
montar uma visão caleidoscópica do Alecrim, através de depoimentos de
moradores, artistas, pesquisadores, comerciantes, e muitos outros.
Nele descobrimos, por exemplo, que o Alecrim era o ponto de
ligação entre o que vinha de fora e o interior do estado, daí o apelido “Cais
do Sertão”. Outra coisa curiosa foi saber que, ao contrário do que muitos
imaginam, a nomenclatura das ruas e avenidas por números foi anterior à vinda
dos americanos na Segunda Guerra Mundial.
Com uma edição dinâmica, o que poderia ser um desenrolar
monótono de opiniões formou uma bela colcha de retalhos explorando as origens
do bairro, sua opulência cultural com cinemas, teatros e bares boêmios
tradicionais, os grupos carnavalescos, e a importância para o comércio da
cidade e do estado.
Mas, o documentário não se furtou a discutir os problemas
que persistem, como a progressiva eliminação das áreas verdes, o embate entre o
comércio tradicional e os camelôs, o trânsito cada vez mais engarrafado e o
reduzido espaço para circulação.
“Cais do Sertão” é um belo retrato daquele que é talvez o
lugar mais representativo de Natal, fora dos estereótipos de praias e dunas,
que apenas os verdadeiros natalenses – natos ou adotados – conseguem
reconhecer.
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