Newton Ramalho
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Filme da Semana: “Estrelas Além do Tempo”
É uma infeliz coincidência que a
estreia do filme “Estrelas Além do Tempo” (“Hidden Figures”, 2016), um relato
da época de segregação de raças nos Estados Unidos, coincida com um retorno do
mundo a um mar de intolerância que parece desafiar qualquer explicação
racional.
No período que sucedeu à Segunda
Guerra Mundial, o mundo ficou dividido entre um grupo de países alinhados com
os Estados Unidos, e outro liderado pela União Soviética. Esse estado de tensão
constante era denominado de Guerra Fria, e embora tenham ocorrido alguns
momentos de real perigo, nunca houve um confronto direto entre as duas
potências.
A disputa, entretanto, acontecia
em diversos outros campos, com a principal finalidade de vencer na guerra de
propaganda. Uma das áreas onde aconteceu a disputa mais acirrada foi na corrida
espacial. Os dois blocos gastavam fortunas com tecnologias incipientes para
conseguir os louros da façanha de levar o homem ao espaço.
Por algum tempo os russos
levaram vantagem, colocando no espaço o primeiro satélite artificial, o
Sputnik, o primeiro ser vivo, a cadela Laika, e posteriormente o primeiro homem
em um voo suborbital, o cosmonauta Yuri Gagarin.
Essas conquistas deixavam em
polvorosa os americanos, que corriam atrás do prejuízo. Os Estados Unidos
tinham outros problemas que começavam a ficar evidentes, sendo o mais grave a
segregação racial.
É realmente estranho que o país
que se intitulava o baluarte da democracia mantivesse internamente uma política
onde o racismo era oficializado em leis que proibiam até o casamento
interracial. Tudo era absolutamente separado, bibliotecas, banheiros,
bebedouros, lugares em ônibus, moradias, etc..
A segregação também acontecia no
trabalho. Em 1961, a recém-criada NASA, a agência espacial americana, era um
retrato fiel do resto do país, com escritórios, refeitórios e banheiros
diferentes para brancos e negros.
No centro administrativo da
NASA, entre milhares de outros funcionários, trabalhavam as amigas Katherine
Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson
(Janelle Monáe). As três eram contratadas como computadoras, profissionais que
faziam os tediosos cálculos por trás de qualquer projeto de engenharia, usando
apenas calculadoras mecânicas e seus próprios conhecimentos.
Cada uma destacava-se em uma
área. Katherine, que desde criança surpreendia os professores com a facilidade
que dominava a matemática, era uma matemática de grande visão. Dorothy
comandava todo o grupo de computadoras negras sem ser reconhecido o seu
trabalho de liderança. Mary, por sua vez, tinha grande facilidade para assuntos
práticos de engenharia, embora nunca tivesse conseguido entrar na universidade.
Katherine tem a oportunidade de
mostrar os seus talentos quando é convocada para trabalhar para a equipe
comandada por Al Harrison (Kevin Costner), que calcula as trajetórias de
lançamento e reentrada dos foguetes, um dos pontos mais delicados do programa
espacial, e que já fora motivo para inúmeros fracassos de experimentos.
Além da dificuldade técnica e da
falta de apoio dos colegas, Katherine ainda tinha que lidar com a classificação
de segurança que a impedia de ter os dados básicos para os cálculos. Itens como
massa, velocidade, locais de lançamento e resgate, tudo isso era considerado
secreto, e negado aos seus olhos.
Dorothy tinha seus próprios
problemas, pois a chegada de um computador da IBM ameaçava diretamente os
empregos das computadoras, pois faria em segundos os cálculos que todas elas
levam dias para completar. Contudo, nem mesmo os técnicos conseguiam fazer a
máquina funcionar, e Dorothy, percebendo que o futuro residia naquela estranha
máquina, procurou capacitar-se por conta própria.
Mary, por sua vez, queria a todo
custo tornar-se engenheira da NASA. Porém, para isso precisaria fazer a
universidade, que só aceitava brancos. Para vencer isso, precisou recorrer à
justiça, num recurso considerado impossível para a época.
O filme mostra, de uma forma
romântica, como o esforço para atingir um objetivo comum une as pessoas e
supera as diferenças. Contudo, o reconhecimento as estas mulheres, que tiveram
que vencer o duplo preconceito da raça e do gênero, demoraria décadas para ser
feito.
“Estrelas Além do Tempo” procura
mostrar não só o esforço gigantesco que foi feito para levar o homem ao espaço
com tecnologias incipientes e grande risco para os astronautas, como também a
cruel face da segregação, que era encarada como algo perfeitamente normal para
os brancos.
O filme é tecnicamente muito bem
feito, com boas atuações, em especial de Taraji P. Henson, ótima recriação de
época, e uma trilha sonora envolvente. Algumas liberdades poéticas são mais
curiosidades, como a personagem usar linguagem Fortran para funcionar o
computador. Na verdade, a operação era feita em linguagem de máquina, enquanto
o Fortran já era uma interface de usuário. O site imdb.com lista dezenas de
erros factuais e de continuidade, a maioria ligados a carros, mas que não interferem
no bom entendimento da história.
“Estrelas Além do Tempo” está
concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer) e
Roteiro Adaptado. O filme ganhou o prêmio de desenpenho extraordinário de um
elenco do SAG Awards, o Sindicato dos Atores de Hollywood.
Esperemos que ao ver as coisas
ruins do passado as pessoas caiam em si e percebam que a intolerância é o pior
dos caminhos para a Humanidade, e que o fechamento de fronteiras e construção
de muros jamais ajudaria o homem a chegar onde chegou, seja no espaço, ou na
boa convivência com o outro.
Título Original: “Hidden
Figures”
É uma infeliz coincidência que a
estreia do filme “Estrelas Além do Tempo” (“Hidden Figures”, 2016), um relato
da época de segregação de raças nos Estados Unidos, coincida com um retorno do
mundo a um mar de intolerância que parece desafiar qualquer explicação
racional.
No período que sucedeu à Segunda
Guerra Mundial, o mundo ficou dividido entre um grupo de países alinhados com
os Estados Unidos, e outro liderado pela União Soviética. Esse estado de tensão
constante era denominado de Guerra Fria, e embora tenham ocorrido alguns
momentos de real perigo, nunca houve um confronto direto entre as duas
potências.
A disputa, entretanto, acontecia
em diversos outros campos, com a principal finalidade de vencer na guerra de
propaganda. Uma das áreas onde aconteceu a disputa mais acirrada foi na corrida
espacial. Os dois blocos gastavam fortunas com tecnologias incipientes para
conseguir os louros da façanha de levar o homem ao espaço.
Por algum tempo os russos
levaram vantagem, colocando no espaço o primeiro satélite artificial, o
Sputnik, o primeiro ser vivo, a cadela Laika, e posteriormente o primeiro homem
em um voo suborbital, o cosmonauta Yuri Gagarin.
Essas conquistas deixavam em
polvorosa os americanos, que corriam atrás do prejuízo. Os Estados Unidos
tinham outros problemas que começavam a ficar evidentes, sendo o mais grave a
segregação racial.
É realmente estranho que o país
que se intitulava o baluarte da democracia mantivesse internamente uma política
onde o racismo era oficializado em leis que proibiam até o casamento
interracial. Tudo era absolutamente separado, bibliotecas, banheiros,
bebedouros, lugares em ônibus, moradias, etc..
A segregação também acontecia no
trabalho. Em 1961, a recém-criada NASA, a agência espacial americana, era um
retrato fiel do resto do país, com escritórios, refeitórios e banheiros
diferentes para brancos e negros.
No centro administrativo da
NASA, entre milhares de outros funcionários, trabalhavam as amigas Katherine
Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson
(Janelle Monáe). As três eram contratadas como computadoras, profissionais que
faziam os tediosos cálculos por trás de qualquer projeto de engenharia, usando
apenas calculadoras mecânicas e seus próprios conhecimentos.
Cada uma destacava-se em uma
área. Katherine, que desde criança surpreendia os professores com a facilidade
que dominava a matemática, era uma matemática de grande visão. Dorothy
comandava todo o grupo de computadoras negras sem ser reconhecido o seu
trabalho de liderança. Mary, por sua vez, tinha grande facilidade para assuntos
práticos de engenharia, embora nunca tivesse conseguido entrar na universidade.
Katherine tem a oportunidade de
mostrar os seus talentos quando é convocada para trabalhar para a equipe
comandada por Al Harrison (Kevin Costner), que calcula as trajetórias de
lançamento e reentrada dos foguetes, um dos pontos mais delicados do programa
espacial, e que já fora motivo para inúmeros fracassos de experimentos.
Além da dificuldade técnica e da
falta de apoio dos colegas, Katherine ainda tinha que lidar com a classificação
de segurança que a impedia de ter os dados básicos para os cálculos. Itens como
massa, velocidade, locais de lançamento e resgate, tudo isso era considerado
secreto, e negado aos seus olhos.
Dorothy tinha seus próprios
problemas, pois a chegada de um computador da IBM ameaçava diretamente os
empregos das computadoras, pois faria em segundos os cálculos que todas elas
levam dias para completar. Contudo, nem mesmo os técnicos conseguiam fazer a
máquina funcionar, e Dorothy, percebendo que o futuro residia naquela estranha
máquina, procurou capacitar-se por conta própria.
Mary, por sua vez, queria a todo
custo tornar-se engenheira da NASA. Porém, para isso precisaria fazer a
universidade, que só aceitava brancos. Para vencer isso, precisou recorrer à
justiça, num recurso considerado impossível para a época.
O filme mostra, de uma forma
romântica, como o esforço para atingir um objetivo comum une as pessoas e
supera as diferenças. Contudo, o reconhecimento as estas mulheres, que tiveram
que vencer o duplo preconceito da raça e do gênero, demoraria décadas para ser
feito.
“Estrelas Além do Tempo” procura
mostrar não só o esforço gigantesco que foi feito para levar o homem ao espaço
com tecnologias incipientes e grande risco para os astronautas, como também a
cruel face da segregação, que era encarada como algo perfeitamente normal para
os brancos.
O filme é tecnicamente muito bem
feito, com boas atuações, em especial de Taraji P. Henson, ótima recriação de
época, e uma trilha sonora envolvente. Algumas liberdades poéticas são mais
curiosidades, como a personagem usar linguagem Fortran para funcionar o
computador. Na verdade, a operação era feita em linguagem de máquina, enquanto
o Fortran já era uma interface de usuário. O site imdb.com lista dezenas de
erros factuais e de continuidade, a maioria ligados a carros, mas que não interferem
no bom entendimento da história.
“Estrelas Além do Tempo” está
concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer) e
Roteiro Adaptado. O filme ganhou o prêmio de desenpenho extraordinário de um
elenco do SAG Awards, o Sindicato dos Atores de Hollywood.
Esperemos que ao ver as coisas
ruins do passado as pessoas caiam em si e percebam que a intolerância é o pior
dos caminhos para a Humanidade, e que o fechamento de fronteiras e construção
de muros jamais ajudaria o homem a chegar onde chegou, seja no espaço, ou na
boa convivência com o outro.
Título Original: “Hidden
Figures”
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