Especial: As mil faces de Sherlock Holmes
Os meus leitores mais assíduos
estão habituados a ler nesta coluna matérias sobre cinema, e pouco sobre
televisão. Resolvi abrir uma exceção, não só pela escassez de bons títulos nos
cinemas, mas, também, para falar de dois seriados que tem como protagonista um
dos meus heróis favoritos, nada menos que Sherlock Holmes. As séries são
“Sherlock”, da BBC de Londres, e a americana “Elementary”, ambas em exibição.
É curioso como um herói criado
no final do século 19 não só tenha feito um sucesso extraordinário em sua
época, como ainda influenciou gerações, e inspira muitas obras atuais. Para se
ter ideia, o site IMDB lista 287 obras do cinema e televisão inspiradas no
personagem. Seriados como Monk e House são inspirados na imagem e personalidade
de Holmes.
Sherlock Holmes apareceu pela
primeira vez no romance “Um estudo em Vermelho”, escrito pelo médico Sir Arthur
Conan Doyle, e publicado originalmente pela revista Beeton's Christmas Annual,
em novembro de 1887. Em fevereiro de 1891, o romance “O Signo dos Quatro” foi
publicado em outra revista, Lippincott’s Magazine . Em junho de 1891, Holmes
estreia na Strand Magazine no conto “Um Escândalo na Boêmia” . O conto obteve
tanto sucesso que garantiu publicações na revista até 1927.
Apesar do sucesso de sua
criação, Conan Doyle não gostava muito dele, pois considerava a literatura
policial uma arte menor. Ele chegou a “matar” Holmes em “A Aventura Final”,
quando o detetive e seu arqui-inimigo Moriarty desaparecem em uma catarata na
Suíça. Os protestos do público foram tamanhos que o autor foi obrigado a
“ressuscitar” o personagem. Melhor para os leitores, pois dessa segunda fase
veio o romance “O Cão dos Baskervilles”, uma das obras mais famosas com o
detetive.
Vários artigos, contos, peças
teatrais, filmes e séries vieram ao público ao longo do século 20. Entre os
mais marcantes estão as interpretações de Basil Rathbone, em filmes de 1939 a
1946, e de Jeremy Brett, na série da Granada Television, de 1984 a 1994.
Algumas marcas icônicas de Holmes, como o cachimbo recurvo, o boné de duas abas,
e a frase “Elementar, meu caro Watson” vieram destas adaptações, pois nunca
existiram nos livros de Doyle.
Todas as histórias de Holmes são
marcadas pela dualidade do detetive arrogante, pouco dado a relações pessoais,
e uma incrível capacidade mental, tendo como testemunha o fiel John Watson, um
médico veterano da guerra da Criméia, que servia de cronista para as aventuras
do herói.
Sendo leitor assíduo das
aventuras de Sherlock Holmes desde criança, graças a uma coleção herdada de
meus pais – e que conservo até hoje - muitas vezes torço o nariz para algumas
adaptações que considero desrespeitosas para com a imagem do “meu” Holmes,
aquele que criei em minha imaginação.
Eu poderia citar como exemplos
as versões cinematográficas de Guy Ritchie, “Sherlock Holmes” e “Sherlock
Holmes – Jogo das Sombras”, onde Robert Downey Jr. atua como Holmes e Jude Law
como Watson. Apesar de gostar dos dois atores, e de a história passar-se na
época original retratada nos livros, os personagens são outros, não os que o
leitor de Doyle poderia imaginar. Uma sequência era prevista para 2016, mas não
se concretizou.
Mas, quando tive a oportunidade
de assistir o primeiro episódio de “Sherlock”, seriado da BBC de 2010, onde
Benedict Cumberbatch dá vida a Holmes, a sensação é muito diferente. O seriado
inglês tem apenas três episódios por temporada, mas, cada um deles tem uma hora
e meia de duração, funcionando mais como um filme.
As histórias acontecem nos dias
atuais, e o excêntrico Sherlock Holmes (Cumberbatch) divide o apartamento com
John Watson (Martin Freeman), um médico do exército inglês traumatizado pela
experiência da guerra no Afeganistão.
Apesar de acontecer num mundo
moderno, todos os episódios são baseados nas histórias originais de Doyle,
mantendo fidelidade principalmente no que concerne à personalidade dos
principais personagens.
Como a maioria das produções da
BBC, a serie é primorosa, com produção equivalente à do cinema, histórias muito
bem escritas e encenadas, e os dois atores principais são agora estrelas de
primeira grandeza: Cumberbatch estrelou recentemente “Doutor Estranho”,
enquanto Freeman foi o personagem título da trilogia “O Hobbit”.
Devido ao enorme sucesso da
primeira temporada, em 2010, “Sherlock” teve uma segunda e uma terceira
temporada, também de três episódios, exibidas em janeiro de 2012 2014,
respectivamente. Em 2016 foi exibido um único episódio, “The Abominable Bride”,
onde os personagens vivem em 1890. A quarta temporada estreia agora em janeiro
de 2017, com os episódios “The Six Tatchers”, “The Lying Detective”, e “The
Final Problem”.
O seriado “Elementary” segue por
outra vertente, mas, não menos interessante. Sherlock Holmes (Jonny Lee Miller)
acaba de sair de uma clínica de recuperação de viciados em drogas, e a doutora
Joan Watson (Lucy Liu) é contratada para acompanhá-lo no período de
recuperação.
Mas, o que ela não esperava é
que ele tivesse como principal atividade a de consultor da polícia de Nova
York, onde vivem. Aos poucos, ela começa a entender e envolver-se no que ele
faz, a ponto de ele decidir tomá-la como sua sócia. Aqui também foram mantidas
as características dos principais personagens, embora nomes, situações e
eventos dos livros sejam mostrados de forma diversa.
Diferentemente da série inglesa,
“Elementary” teve a primeira temporada com 22 episódios de 40 minutos, e o
último com 90. Atualmente o seriado está em exibição da quinta temporada, sendo
mantidos os mesmos atores. Além de Miller e Liu, também se destacam Aidan Quinn
e Jon Michael Hill, como oficiais da polícia de NY.
As duas séries citadas já foram
lançadas em DVD/Blu-Ray, a menos das temporadas ainda em exibição na TV. É
importante perceber que são formatos diferentes, que talvez atraiam públicos
também diferentes, sendo o inglês mais para os cinéfilos, enquanto o americano
mais para o espectador habituado com seriados com episódios curtos e variados.
Embora a percepção do herói seja
diferente para cada um, estas produções trazem um frescor ao personagem,
posicionando-o num ambiente moderno, mas, mantendo uma razoável fidelidade que
certamente agradaria Conan Doyle, mesmo que este não gostasse do fato de sua
criação ter se tornado maior que ele próprio.
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