Newton Ramalho
Filme da Semana: “Três Homens em
Conflito”
Hambúrguer com gosto de espaguete
Uma das
figuras mais constantes no imaginário popular em qualquer canto do mundo é o
cowboy americano. O gênero produziu filmes com atores tão díspares como Tom
Mix, Gary Cooper, Roy Rogers, Alan Ladd, Randolph Scott, Gregory Peck, e a
lendária associação dos dois Johns, Ford e Wayne. Outros atores e personagens
mudariam para sempre o gênero, com filmes como “Três Homens em Conflito”, de
1966.
Curiosamente,
a transfiguração para as telas dos cowboys até o início dos anos 1960 sempre
mostrara uma imagem romântica, com personagens sempre asseados, barbeados e
elegantes, que nunca faziam nada errado, o perfeito herói "clean".
Foi preciso
aparecer um italiano atrevido, para materializar o faroeste numa escala de
realidade muito maior, e, que provocou uma verdadeira revolução na indústria do
cinema entre os anos sessenta e setenta: o spaghetti western. Apesar do termo
meio pejorativo (faroeste espaguete), o movimento iniciado pelo genial diretor
italiano Sérgio Leone desencadeou uma avalanche de cerca de duzentas produções
semelhantes, revitalizando o gênero.
A trilogia
que inaugurou o ciclo foi com os filmes "Por um punhado de dólares"
(uma refilmagem de "Yojimbo" de Kurosawa), "Por uns dólares a
mais", e, "Três homens em conflito", este último, o objeto desta
resenha.
A pergunta
óbvia é: que diferença estes filmes apresentaram, em relação a tantos outros
feitos anteriormente? Basta imaginarmos qual seria a aparência real de um dos
heróis do Velho Oeste Americano. Homem rude, habituado a passar longos períodos
de solidão nas campinas, florestas ou desertos, acostumado a enfrentar
dificuldades tão diversas quanto picadas de cobra, ataques de índios, fome,
sede, bandidos, xerifes truculentos, fazendeiros ambiciosos, etc.. Diversões?
Bebidas, da pior qualidade possível, prostitutas cheias de doenças, e, jogos de
cartas ou dados. Ponto para Leone, disparado.
Mas, não é só
na aparência que os personagens de Leone são mais verossímeis. As pessoas
retratadas em seus filmes são repletas de defeitos e qualidades - como qualquer
ser humano - e não aquela dicotomia tradicional de mocinho bonzinho e vilão
malvado. Não existem arquétipos, os principais personagens são farinha do mesmo
saco, embora tenham características diferentes.
O título em
português segue o óbvio ("Três homens em conflito"), mas o original
vai direto à caracterização dos personagens: “Il Buono, il Bruto, il Cativo”, o
bom, o mau e o cativo. O Cativo é Tuco (Eli Wallach), um mexicano saído da
miséria para o banditismo, com uma ficha criminal que ia de assassinato a
abandono de lar. É ambicioso, vingativo, mentiroso, e, cruel, embora tenha
sentimentos de família e amizade, como todo ser humano.
O Mau é
Olhos-de-Anjo (Sentenza, no original italiano, vivido por Lee Van Cleef), um
assassino a preço fixo, que se gabava de sempre cumprir os
"trabalhos" que assume. Diferente de Tuco, que era passional,
Olhos-de-Anjo matava por obrigação, torturava para obter o que precisava, e,
cooptava, quando via que era necessário. Em nenhum momento perdia a calma, ou
se desesperava.
O Bom é
Blondie (Clint Eastwood), um pequeno vigarista de boa pontaria, que vivia em
parceria com Tuco, arrancando dinheiro de xerifes de pequenas cidades.
O que estes
homens tão diferentes tinham em comum é o segredo de um tesouro confederado,
enterrado num cemitério sulista. Ao longo do filme, alternam-se na dominação
dos outros, com o objetivo de extrair a localização exata do tesouro.
Se a história
é simples, na transformação em filme é que se nota a genialidade de Leone, que
usou técnicas e movimentos de câmera bastante ousados, aliado a uma trilha
sonora de excepcional qualidade, de ninguém menos que Enio Morricone, um dos
maiores nomes da música no cinema.
Algumas sequencias
do filme são antológicas, como o triplo duelo no cemitério. A passagem de
imagem de rostos e mãos dos duelistas, aliado à atordoante música de fundo, é
impressionante. Outra cena estranha e fascinante é quando Tuco percorre o
cemitério, procurando a sepultura correta. O ritmo alucinante da câmera
consegue traduzir toda a emoção e ansiedade do personagem.
Uma idéia que
me passou pela cabeça (e que é tão válida quanto qualquer outra) é que os três
personagens, na verdade, são lados de um mesmo triângulo, faces diferentes de
uma mesma condição humana. Todos nós temos o nosso lado Tuco, que se preocupa
com as necessidades elementares (comer, dormir, aquecer-se, divertir-se, etc.).
Ao mesmo tempo, a sociedade em que vivemos hoje estimula o lado Olhos-de-Anjo,
à medida que coloca a competitividade acima de tudo. É o nosso lado Gérson, que
tem que tirar vantagem de tudo, cumprindo a velha máxima de que os fins
justificam os meios. Por fim, existe o nosso lado idealista e ético, que
contrabalança os outros dois, que é representado pela face Blondie. Talvez a
"viagem" tenha sido grande nessa leitura, mas Leone mostra a sua
visão otimista, ao derrotar o lado mais negro do triângulo.
O filme tem o
suporte dos atores, todos excelentes, ainda em início de carreira. Clint
Eastwood, o que alcançou maior sucesso, vinha de alguns pequenos seriados na tv
americana, e, aceitou participar de "Por um Punhado de Dólares" por
quinze mil dólares. Esse filme foi a grande guinada em sua carreira,
projetando-o como um dos grandes nomes do cinema americano.
Lee Van Cleef
repetiu a sua performance em inúmeros outros filmes do spaghetti western, mas
não teve o mesmo sucesso de Eastwood. Eli Wallach, o Tuco, desenvolveu uma
notável carreira na televisão americana. Uma curiosidade sobre este último foi
a recusa de um papel em "A um passo da eternidade" com o qual Frank
Sinatra ganharia um Oscar.
Uma atenção
especial deve ser dada à trilha sonora deste filme, assinada por Ennio
Morricone. A música tema é praticamente a marca registrada do faroeste no
cinema, mesmo que a maioria das pessoas não tenha nem idéia de qual filme foi.
Morricone é o mais produtivo compositor do cinema, ao lado de Maurice Jarre.
São dele as trilhas de "O Anticristo", "1900", "La
Luna", "Os Intocáveis", "Áta-me" e o maravilhoso
"Cinema Paradiso", entre quase quatrocentos títulos que constam do
site do IMDB.
A edição
latina em Blu-Ray trouxe o filme na íntegra, e, nos extras, Bio-fimografia, Pôsteres,
Fotos Sttil, Trailers, Trívia game com nota, Cenas excluídas, O Homem que
perdeu a guerra civil, e Reconstruindo O Bom, O Mal e O Feio. As sete cenas
deletadas elevam o tempo total do filme para 176 minutos. O formato de tela
para este filme não poderia ser outro senão o widescreen. As panorâmicas constantes,
os closes exagerados, e, o fantástico enquadramento de Leone, simplesmente
desaparecem quando se faz o corte lateral para preencher a tela da tv. Este foi
um dos poucos filmes que foi lançado em VHS com o formato de cinema, gerando
muitas reclamações, semelhantes às dos primeiros usuários de DVD, que eram acostumados
ao formato de videocassete. O som é fornecido em inglês, espanhol, português e
francês 5.1, e italiano 2.0, o que favorece a excelente trilha sonora.
"Três Homens
em Conflito" é um filme que interessa aos aficionados por faroeste, aos
fãs de Eastwood, estudiosos de cinema, apreciadores de boa música, ou,
simplesmente, quem quer curtir um bom filme de ação. Outras leituras podem ser
feitas, a depender de como se olhe para o filme. Experimente, e faça a sua.
Título
Original: “Il buono, il brutto, il cattivo”
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