Newton Ramalho
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Filme da Semana:
“A Longa Caminhada”
A Pré-História
encontra a Civilização
Não é de hoje que expresso minha
admiração pelo cinema australiano, antes mesmo de sucessos mundiais como “Mad
Max” e “Priscilla – A Rainha do Deserto”. Além de um grau de ousadia impensável
para a hipócrita Hollywood, o cinema australiano desde sempre prima pela
técnica fotográfica – e ajuda bastante a exuberância de paisagens, fauna e
flora daquele exótico país. Todas essas características estão presentes em “A
Longa Caminhada” (“Walkabout”, 1971, AUS).
Este filme é baseado no livro The
Children, escrito pelo inglês James Vance Marshall, que também é autor de três
outros livros que foram transformados em filmes: “Santa Fé” (“Santa Fe”, 1951),
“A Ilha do Topo do Mundo” (“The Island at the Top of the World”, 1974) e “O
Menino e a Foca Dourada” (“The Golden Seal”, 1983).
O livro The Children, publicado
pela primeira vez em 1959, com apenas 125 páginas, narra a incrível jornada de
dois irmãos, sobreviventes de um desastre aéreos, e que são ajudados por um
jovem aborígene. No livro, Vance faz uma primorosa descrição do deserto, suas
características principais, fauna e flora, além de explorar com perfeição o
choque entre as culturas.
Curiosamente, este foi um dos
poucos casos em que a versão cinematográfica ficou ainda melhor que a história
original. Além de transformar em imagens e sons toda a riquíssima descrição da
natureza que o livro continha, o filme roteirizado por Edwar Bond e dirigido
por Nicolas Roeg conseguiu ir mais além, explorando uma tensão sexual entre os
personagens.
O título se refere à jornada
obrigatória que todo jovem de sua tribo tinha que fazer, vagando durante meses
no deserto australiano, e dependendo apenas de seus próprios recursos para
sobreviver.
No filme, a adolescente Mary (Jenny
Agutter) e seu irmão de seis anos, Peter (Luc Roeg) se perdem no deserto depois
que o pai tem um acesso de loucura e tenta matá-los, depois de dirigir sem rumo
até acabar o combustível.
Fugindo desesperadamente para
salvar suas vidas, os irmãos caminham pelo deserto australiano sem a menor
ideia de onde estavam, ou para onde deveriam seguir. Garotos urbanos de classe
média, eles não tinham noção de como sobreviver num ambiente tão hostil.
O acaso os faz encontrar com um
aborígene (David Gulpilil), também adolescente, que nunca havia visto uma
pessoa branca na vida. Apesar da dificuldade de comunicação, ele entende que os
dois não conhecem nada do deserto, e os toma sob sua responsabilidade. O trio
empreende uma longa jornada através do deserto, enfrentando as dificuldades
naturais, e fazendo um aprendizado mútuo.
O filme apresenta algumas
diferenças em relação ao livro, reordenando alguns eventos que tornaram a
história mais fluida e coerente. Além disso o roteirista acrescentou, de uma
forma sutil e delicada, uma crescente tensão sexual perfeitamente crível, já
que se tratava de dois adolescentes em pleno despertar da sexualidade.
Contudo, mesmo com algumas cenas de
nudez não há nada que possa ofender a sensibilidade de alguém. Nesse aspecto, o
filme foi bem ousado ao mostrar a nudez dos jovens atores, o menor deles filho
do próprio diretor. Na verdade, embora tivessem aparência de serem mais jovens,
tanto Jenny Agutter quanto David Gulpilil já tinham mais de dezoito anos à
época do filme.
Depois deste filme, os jovens
prosseguiram suas carreiras no cinema. Luc Roeg dedicou-se à produção de
filmes, e já tem uma extensa carreira, inclusive com o filme “Precisamos Falar
Sobre o Kevin”. David Gulpilil, embora limitado aos papéis de aborígene, tem
muitas atuações no cinema e na TV, como “Os Eleitos – Onde o Futuro Começa”, “Crocodilo
Dundee”, “Austrália” e o ótimo “Geração Roubada”.
Jenny Agutter, que iniciou sua carreira
aos doze anos de idade, também participou de muitos filmes famosos, como “Fuga
no Século 23”, “Um Lobisomem Americano em Londres”, “Darkman – Vingança Sem
Rosto”, “The Avengers: Os Vingadores”, “Capitão América 2: O Soldado Invernal”
e “Rainha do Deserto”.
Mas, além da história interessante,
com o evidente choque de culturas, o filme encanta com as belíssimas locações, detalhes
preciosos da fauna australiana, e a belíssima trilha sonora de John Barry, que
dá um impacto extra às diferentes etapas do filme. É possível ver dromedários
selvagens, cangurus, coalas, ornitorrincos e muitos outros animais, alguns com
aspecto pré-histórico.
Também foram inseridas algumas
situações que não estão no livro, mostrando o gritante contraste entre o
ambiente primitivo e mundo científico. Não poderia faltar também uma visão
crítica sobre como o homem branco se relacionava com os aborígenes – à época do
filme ainda existia uma política de estado para a miscigenação forçada, que só
seria abolida em 1975.
“A Longa Caminhada” é um filme
interessante sob vários aspectos, não só mostrando o choque de culturas, mas
também como exemplo de uma escola de cinema excepcional, capaz de produzir
várias pequenas obras-primas.
Título original: “Walkabout”
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