As viagens de
Agnès
Devido a meu interesse pela língua
e cultura francesa, sempre gostei muito dos filmes e documentários produzidos
na e sobre a França. Assim, quando soube que o documentário “Visages, Villages”,
vencedor da categoria Golden Eyes em Cannes, estava entre os cinco finalistas
da categoria Melhor Documentário do Oscar 2018, fiquei ansioso para assisti-lo.
O filme já trazia o aspecto
interessante de ser co-dirigido por Agnès Varda, uma histórica fotógrafa e
cineasta belga, e pelo fotógrafo e muralista J.R., numa parceria curiosa, já
que une um artista de rua com uma veteraníssima diretora da velha escola
francesa de cinema.
Quando se une os dois conceitos,
“documentário” e “francês”, poderíamos imaginar infinitos temas, desde algum
aspecto da riquíssima história da França até os famosos pontos do turísticos do
país. Por isso, somos surpreendidos desde o primeiro minuto do filme com os
inusitados “não-encontros” dos dois cineastas, até a idealização do projeto,
uma viagem sem roteiro, para conhecer lugares e pessoas – e a história por trás
delas.
Essa estranha dupla encontrou neste
projeto uma simbiose perfeita, naquele que promete ser o último trabalho de
Agnès Varda para o cinema, já que os 88 de uma intensa vida pesam bastante. Por
outro lado, o entusiasmo de J.R. para o projeto trouxe o impulso da juventude
para algo tão intenso quanto efêmero.
Os dois fazem um tour por uma
França pouco conhecida, seja nas telas de cinema quanto nos documentários
turísticos. São visitadas pequenas vilas, algumas com pouco mais de cem
habitantes, mas que tem uma vida e identidade próprias, e histórias
absolutamente inusitadas.
Assim, conhecemos uma antiga vila
de mineiros de carvão, onde a última moradora de uma rua que vai ser demolida
cede seu rosto, a fachada de sua casa e suas memórias mais queridas para o
projeto. O mesmo com um simpático e solitário agricultor, que cuida de sua
fazenda e dos vizinhos.
Em outra vila, uma garçonete se
torna famosa ao ter sua imagem estampada em tamanho gigante em frente do
restaurante em que trabalha, para orgulho dos filhos. Em uma usina de produtos
químicos, o projeto promove um encontro de funcionários que nunca interagiram,
ao mesmo tempo em que fica registrado o último dia de trabalho de um deles.
O projeto homenageia as memórias de
Varda, postando em um bunker alemão
semidestruído em uma praia da Normandia a foto que a cineasta fez de um
jovem modelo, Guy Bourdin, que mais tarde também seria um fotógrafo de sucesso.
Curiosamente, o grupo gastou mais tempo para fazer a colagem da foto do que o
mar para destruí-lo. O espectador pode se perguntar o que leva alguém a fazer
algo tão efêmero? Talvez porque a memória de Varda foi transportada para um
ambiente onde um número infinitamente maior de pessoas terá acesso, muito mais
do que a simples obra física na praia.
O projeto questiona porque tirar os
chifres das cabras, a importância das mulheres dos estivadores, enche de vida
uma vila abandonada, até questiona a amizade do famoso Jean-Luc Godard para com
Varda, e ainda nos leva a um minúsculo cemitério onde repousa o mais famoso
fotógrafo da França, Cartier-Bresson..
Este projeto inusitado e
despretensioso, feito com financiamento solidário pela internet, surpreende
pela leveza e bom humor com que foi executado, baseando-se fortemente nos
diálogos entre os dois diretores, expondo – literalmente – a diferença de visão
dos dois.
Embora não tenha uma preocupação
cênica, os diálogos do filme são interessantes e divertidos. Isso aliado a uma
fotografia exuberante, uma trilha sonora perfeita, e uma edição precisa –
executada pela própria Agnès Varda – transformam este documentário em uma
delicada obra-prima.
Fugindo completamente à linguagem
tradicional dos documentários, mas mantendo um surpreendente fio condutor entre
cada etapa, “Visages, Villages” é um belo exercício de cinema documental,
encerrando magnificamente a carreira de uma das profissionais mais prolíficas
da Sétima Arte. Poucos podem dizer o mesmo.
Título original: “Visages, Villages”
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