Newton Ramalho
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Especial: Legendas, para que te quero?
É muito difícil que alguém nunca
tenha se deparado com uma legenda de filme ou programa na vida. É bem verdade
que os iletrados ou os fanáticos por televisão poucas vezes irão utilizá-las,
os primeiros por lhes faltar a habilidade para ler, os segundos, por pura
preguiça mental, sujeitando-se a engolir o que quer que a programação da
telinha lhes seja oferecida.
Já para os frequentadores dos
cinemas, é uma outra história. A imensa maioria dos filmes que passam em nossas
salas são oriundos de Hollywood, e, a não ser os blockbusters, mantém o áudio
original, geralmente em inglês, e portam as legendas em português.
Para a minha geração – hoje tenho 61
anos – a legenda era uma opção, digamos, obrigatória. Como a televisão era
coisa de ricos, e o cinema ainda era “a melhor diversão”, o grande
entretenimento era mesmo a programação da telona, o que explicava a presença de
uma ou mais salas em qualquer cidade, mesmo no interior da Paraíba, onde passei
a minha infância.
Os filmes dublados – para o cinema
– eram raros. Se não fosse uma produção nacional, as exceções ficavam por conta
de raros desenhos animados ou algum clássico tipo “Ben-Hur” ou “Rei dos Reis”.
A esmagadora maioria dos filmes eram produções estrangeiras, americanas ou
européias, todas, cuidadosamente legendadas.
A televisão quebrou muito este
paradigma, a partir da sua expansão, notadamente na década de 1970, quando as
redes Tupy, e depois a Globo, difundiram a sua programação pelo país, incluído
aí os filmes, sempre dublados.
Com o advento do videocassete,
criou-se uma situação estranha. Todos os filmes eram lançados em duas versões,
uma dublada em português e a outra com o áudio original, a versão legendada.
Imaginem a minha frustração ao chegar à locadora e deparar com um filme há
muito desejado, e descobrir que só havia a opção dublada!
Posteriormente, com o lançamento do
DVD, parecia que o céu se abrira para o usuário doméstico. Além de não precisar
rebobinar a fita, o disco prateado permitia escolher o áudio e a legenda que se
desejasse. Era a solução para gregos e troianos, a democracia eletrônica para
os amantes de cinema. Mas, como nem tudo é perfeito, nem todos os filmes eram
lançados com a dublagem em português, e os discos comprados no exterior
raramente tinham as legendas tupiniquim. Mais uma vez, alguém ficava
insatisfeito.
Novas ondas de evolução passaram,
os cinemas se elitizaram, e o DVD pirata reinou absoluto um bom tempo, pouco
afetado pela chegada do Blu-Ray. Mas, um novo meio de transmissão de filmes
chegou, graças ao aumento de velocidade na internet. Os programas de troca de
arquivo torrent possibilitaram o acesso de filmes de todos os cantos do
planeta, muitos deles poucas horas após terem sido lançados.
Quando um filme destes é colocado
na rede, pode ter sido por uma cópia dentro de uma sala de cinema – o que
garante uma imagem péssima e som praticamente inaudível – ou de um lançamento
em DVD ou Blu-Ray. Este processo é chamado “ripar”, termo que vem do inglês
rip, que significa rasgar ou arrancar. O sentido é esse mesmo, na prática se
faz uma cópia digital, geralmente em um arquivo de vídeo, para poder assistir
no computador, nos aparelhos de DVD e Blu-Ray, smart TV e até mesmo em tabletes
e smartphones.
Ao ripar um DVD nacional, o cidadão
pode fazer uma cópia também das legendas. Ao fazer isso, ele criará um arquivo
para cada idioma de legenda. Existem vários formatos de arquivos de legendas, o
mais comum é o de extensão SRT, que vem do inglês SubRip SubTitle. Este arquivo
nada mais é do que um arquivo texto, com a linha de cada fala, o tempo de
início e de final da mesma.
Como essa troca de arquivos de
filmes é um passatempo mundial, e os títulos disponibilizados podem vir de
lugares como Coréia do Sul, Turquia, Romênia, etc., nem sempre existem legendas
em português para eles.
Esse problema é resolvido como a
maioria das coisas na internet hoje em dia: alguém faz e disponibiliza para os
demais usuários. Existem sites na internet onde é possível encontrar legendas
para os mais diversos filmes e seriados, e muitas dessas legendas não são
ripadas de DVD ou Blu-Ray, mas sim criadas por pessoas normais, como eu e você,
caro leitor.
Pesquisando na internet descobri
filmes antigos e raros, para os quais algum cidadão se deu ao trabalho de
pesquisar e montar as legendas, oferecendo-as depois, para o mundo, a troco de
absolutamente nada – ou do simples prazer de fazê-las.
Curioso sobre esse novo mundo,
procurei saber as origens dessas legendas. Além das que são ripadas de discos,
muitas delas são traduzidas a partir de uma legenda em outra língua, e, em
alguns casos, a tradução é feita a partir do áudio original, o que é um
processo muito, muito mais difícil.
Decidido a fazer uma experiência,
procurei um filme que não tivesse nenhuma legenda em português. O escolhido foi
“Conto de Outono”, uma produção francesa de 1998, do diretor Eric Rohmer, que
jamais havia sido lançado no Brasil em DVD – e dificilmente o será.
Dispondo de uma legenda em inglês e
outra em francês, fui traduzindo, linha por linha, num trabalho que levou uma
semana, já que era feito nas horas vagas. Ao cabo do trabalho, fui testar o
resultado, e tive uma certa decepção, pois a legenda estava fora de
sincronismo.
Com um pouco mais de pesquisa,
descobri um programa que conseguia corrigir o sincronismo. Na verdade existem
duas maneiras de ajustar a legenda ao momento correto do filme. O mais simples
é quando precisamos apenas adiantar ou atrasar a legenda, arrastando todo o
conjunto alguns segundos para frente ou para trás.
Mas, o mais complicado é quando a
legenda foi feita para uma versão com um tempo maior ou menor. Para corrigir
isso, é preciso estreitar ou aumentar o tempo entre as legendas, para chegar ao
sincronismo perfeito. Com um pouco de prática, e uma legenda no tempo correto,
esse ajuste é feito em segundos.
Ao final de tudo, além da sensação
de ter feito algo diferente, resta apenas a certeza de que aquela legenda irá
facilitar a vida de alguém, em algum lugar do mundo, que queira assistir o
filme com os dizeres em português.
É bom salientar que, ao fazer uma
legenda, não se está fazendo uma atividade pirata ou ilegal. Mais que tudo, é
um belo exercício de prática de língua estrangeira, onde se trabalha quase
sempre com linguagem oral e cotidiana. Essas legendas fazem mais pela universalização
do cinema do que qualquer programa governamental ou internacional. Além do
mais, para alguém que tenha deficiência auditiva, a legenda é algo obrigatório!
O fato da legenda ser feita por
pessoas não profissionais não quer dizer que seja algo malfeito. Afinal de
contas, já verifiquei muitas legendas – profissionais - em VHS ou DVD com erros
absurdos, traduzindo world (mundo) por word (palavra), ou dizendo “Você está
queimando!”, quando o cidadão era despedido com um sonoro “You are fired”...
Hoje em dia, a universalização de
serviços como Netflix e similares já permite um maior acesso a filmes dublados
ou legendados com boa qualidade, embora a oferta tenha limitações. Contudo, a
comodidade de não precisar comprar ou alugar um disco físico, ou mesmo baixar
da internet já deixa muita gente feliz.
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