terça-feira, 26 de setembro de 2017

Coluna Claquete - Especial: Janelas no Cinema




Especial: Janelas no cinema

Os meninos de hoje, que praticamente nascem mergulhados na mídia, não tem ideia de que existiu um tempo onde, para assistir a um filme, era obrigatório ir ao cinema. Essa transição ocorreu nos últimos cinquenta anos, e nem sempre aconteceu de uma forma pacífica. Um indicador destas batalhas é o tempo que o filme demora entre o lançamento no cinema e em outras mídias, comumente chamado de “janela”.
A Sétima Arte é a irmã caçula das artes, e tem pouco mais de um século de existência, desde que os irmãos Lumiére fizeram a apresentação pública de 28 de dezembro de 1895, considerado o lançamento histórico oficial do cinema, no Grand Café em Paris.
A novidade transpôs o Atlântico e encontrou nos Estados Unidos a combinação ideal entre a indústria e o mercado consumidor, primeiro em Nova York, e posteriormente enraizando-se na Califórnia, na mítica Hollywood.
Durante muito tempo a indústria reinou em paz, produzindo, distribuindo e exibindo filmes mundo a fora. Aqui no Brasil, até o início dos anos 70, quase todas as cidades tinham ao menos uma sala de cinema, enquanto que nas capitais a contagem podia chegar às dezenas, todos situados nas ruas e praças da cidade.
A característica mais comum destas salas era ter muitos lugares, pouco luxo (apenas as principais tinham ar condicionado, por exemplo), e, o mais importante, o ingresso muito barato. Essa era a principal razão do slogan “cinema é a melhor diversão”.
A distribuição também era tranquila. Um blockbuster levava anos para chegar, sendo exibido primeiramente nas grandes cidades, como Rio, São Paulo, Recife, Belo Horizonte, e progressivamente passando para as cidades menores.
Como as cópias eram físicas, e nem sempre manuseadas adequadamente, quando um filme chegava a uma cidadezinha de algum rincão isolado, já apresentava riscos na imagem, e constantes quebras durante a exibição. Mesmo assim, os filmes levavam anos circulando por este Brasilzão afora.
Até o final dos anos 60, a televisão não apresentava nenhum risco ao cinema. Praticamente restrita às grandes cidades, o que chegava mais longe era transmitido através de estações terrestres chamadas “repetidoras”, com imagem cheia de “chuviscos”, e que, de vez em sempre, ficava “fora do ar”.
Com a melhoria do sistema de comunicação brasileiro, a televisão invadiu o país, com as famosas “transmissões via Embratel, para todo o Brasil”. Mas, foi só a com a chegada da transmissão a cores foi que a exibição de filmes começou a se tornar importante.
A janela entre o lançamento nos cinemas e a chegada na televisão ainda era absurdamente longa. Para se ter ideia, um dos primeiros filmes exibidos nacionalmente em cores foi “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, estrelado por David Niven e Cantinflas, produzido em 1956. A Sessão da Tarde dos anos 1970 era repleta de filmes dos anos 50.
A primeira grande mudança aconteceu no início dos anos 1980, com a popularização do videocassete. Pela primeira vez, o espectador não precisava aguardar anos para rever algum filme exibido no cinema, bastando para isso recorrer à videolocadora mais próxima.
Se a televisão já havia perturbado muito o domínio do cinema, a chegada do videocassete foi uma verdadeira pá de cal, provocando a queda vertiginosa dos frequentadores dos cinemas, e o consequente fechamento de muitas salas tradicionais.
Para sobreviver, a indústria do cinema precisou adaptar-se, e para isso uniu-se aos novos concorrentes, exatamente a televisão e o vídeo. Um filme novo deveria seguir uma trajetória de mídias, sendo exibido primeiramente nas salas de cinema, hoje menores e concentradas nos shopping centers.
As etapas seguintes seriam o lançamento em vídeo para aluguel (RENTAL), em canais por assinatura, e, finalmente, na TV aberta. Com a chegada do DVD, uma nova etapa foi inserida, do lançamento para venda direta ao consumidor (SELL THROUGH), geralmente em lojas de departamento.
Era comum um filme ser lançado em DVD nos Estados Unidos enquanto ainda chegava aos cinemas brasileiros, pois os mercados eram estanques, e praticamente não havia interferência entre eles.
Com essas etapas de distribuição escalonadas por janelas de tempo, era possível garantir uma boa renda para cada público consumidor. Tudo estaria muito bem para a indústria, não fosse uma nova ameaça, provocada pela chegada da internet mais veloz, e a digitalização das mídias.
Se antes a indústria do cinema podia dar-se ao luxo de lançar um filme em diferentes datas mundo a fora, essa realidade foi bruscamente alterada. Com o aumento vertiginoso de trocas de filmes pela internet, os exibidores viram, atônitos, o filme ser disponibilizado na rede horas depois da estreia nos Estados Unidos.
Como ocorreu com a indústria fonográfica, a primeira reação foi de tentar impedir a circulação na internet. Alguns sucessos foram obtidos, como o fechamento do site Megaupload e similares. Contudo, é praticamente impossível bloquear a troca de arquivos usando os arquivos torrent, ou P2P.
Isso levou a indústria a entender que o cinema também está globalizado, e por isso as janelas entre os lançamentos precisaram ser encurtadas, além de se promoverem estreias mundiais, para os títulos mais importantes.
A ideia do pirata com uma câmera dentro do cinema é coisa do passado. A maioria dos filmes que circulam na internet é feita a partir de cópias digitais, muitas vezes até de DVDs entregues para divulgação.
A duras penas, a indústria do cinema tornou-se mais dinâmica, com os cinemas transformados em outdoor, sendo o filme exibido apenas uma ou duas semanas, e a grande arrecadação feita com o merchandising embutido e com as cópias para o mercado doméstico. Mesmo isso começou a fraquejar com a invasão dos DVDs piratas e o download pela internet.
Um novo equilíbrio, curiosamente, chegou com o aumento de velocidade da internet, que permitiu a eliminação da mídia física, e a maior oferta de filmes via streaming, tanto pelo aluguel de cópias – serviço ainda caro – e outros como Netflix, que permitem assistir filmes com boa qualidade nas mais variadas plataformas, pagando um valor simbólico.
Hoje em dia, até a exibição nos cinemas é digital, e não é difícil imaginar que num futuro não muito distante, os lançamentos de filmes novos podem até ser simultâneos com o cinema, reduzindo a zero a famosa “janela”.

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