Especial: Janelas no cinema
Os meninos de hoje, que praticamente nascem mergulhados na
mídia, não tem ideia de que existiu um tempo onde, para assistir a um filme,
era obrigatório ir ao cinema. Essa transição ocorreu nos últimos cinquenta
anos, e nem sempre aconteceu de uma forma pacífica. Um indicador destas
batalhas é o tempo que o filme demora entre o lançamento no cinema e em outras
mídias, comumente chamado de “janela”.
A Sétima Arte é a irmã caçula das artes, e tem pouco mais de
um século de existência, desde que os irmãos Lumiére fizeram a apresentação
pública de 28 de dezembro de 1895, considerado o lançamento histórico oficial
do cinema, no Grand Café em Paris.
A novidade transpôs o Atlântico e encontrou nos Estados
Unidos a combinação ideal entre a indústria e o mercado consumidor, primeiro em
Nova York, e posteriormente enraizando-se na Califórnia, na mítica Hollywood.
Durante muito tempo a indústria reinou em paz, produzindo,
distribuindo e exibindo filmes mundo a fora. Aqui no Brasil, até o início dos
anos 70, quase todas as cidades tinham ao menos uma sala de cinema, enquanto
que nas capitais a contagem podia chegar às dezenas, todos situados nas ruas e
praças da cidade.
A característica mais comum destas salas era ter muitos
lugares, pouco luxo (apenas as principais tinham ar condicionado, por exemplo),
e, o mais importante, o ingresso muito barato. Essa era a principal razão do
slogan “cinema é a melhor diversão”.
A distribuição também era tranquila. Um blockbuster levava
anos para chegar, sendo exibido primeiramente nas grandes cidades, como Rio,
São Paulo, Recife, Belo Horizonte, e progressivamente passando para as cidades
menores.
Como as cópias eram físicas, e nem sempre manuseadas
adequadamente, quando um filme chegava a uma cidadezinha de algum rincão
isolado, já apresentava riscos na imagem, e constantes quebras durante a
exibição. Mesmo assim, os filmes levavam anos circulando por este Brasilzão
afora.
Até o final dos anos 60, a televisão não apresentava nenhum
risco ao cinema. Praticamente restrita às grandes cidades, o que chegava mais
longe era transmitido através de estações terrestres chamadas “repetidoras”,
com imagem cheia de “chuviscos”, e que, de vez em sempre, ficava “fora do ar”.
Com a melhoria do sistema de comunicação brasileiro, a
televisão invadiu o país, com as famosas “transmissões via Embratel, para todo
o Brasil”. Mas, foi só a com a chegada da transmissão a cores foi que a
exibição de filmes começou a se tornar importante.
A janela entre o lançamento nos cinemas e a chegada na
televisão ainda era absurdamente longa. Para se ter ideia, um dos primeiros
filmes exibidos nacionalmente em cores foi “A Volta ao Mundo em 80 Dias”,
estrelado por David Niven e Cantinflas, produzido em 1956. A Sessão da Tarde
dos anos 1970 era repleta de filmes dos anos 50.
A primeira grande mudança aconteceu no início dos anos 1980,
com a popularização do videocassete. Pela primeira vez, o espectador não
precisava aguardar anos para rever algum filme exibido no cinema, bastando para
isso recorrer à videolocadora mais próxima.
Se a televisão já havia perturbado muito o domínio do
cinema, a chegada do videocassete foi uma verdadeira pá de cal, provocando a
queda vertiginosa dos frequentadores dos cinemas, e o consequente fechamento de
muitas salas tradicionais.
Para sobreviver, a indústria do cinema precisou adaptar-se,
e para isso uniu-se aos novos concorrentes, exatamente a televisão e o vídeo.
Um filme novo deveria seguir uma trajetória de mídias, sendo exibido
primeiramente nas salas de cinema, hoje menores e concentradas nos shopping
centers.
As etapas seguintes seriam o lançamento em vídeo para
aluguel (RENTAL), em canais por assinatura, e, finalmente, na TV aberta. Com a
chegada do DVD, uma nova etapa foi inserida, do lançamento para venda direta ao
consumidor (SELL THROUGH), geralmente em lojas de departamento.
Era comum um filme ser lançado em DVD nos Estados Unidos
enquanto ainda chegava aos cinemas brasileiros, pois os mercados eram
estanques, e praticamente não havia interferência entre eles.
Com essas etapas de distribuição escalonadas por janelas de
tempo, era possível garantir uma boa renda para cada público consumidor. Tudo
estaria muito bem para a indústria, não fosse uma nova ameaça, provocada pela
chegada da internet mais veloz, e a digitalização das mídias.
Se antes a indústria do cinema podia dar-se ao luxo de
lançar um filme em diferentes datas mundo a fora, essa realidade foi
bruscamente alterada. Com o aumento vertiginoso de trocas de filmes pela
internet, os exibidores viram, atônitos, o filme ser disponibilizado na rede
horas depois da estreia nos Estados Unidos.
Como ocorreu com a indústria fonográfica, a primeira reação
foi de tentar impedir a circulação na internet. Alguns sucessos foram obtidos,
como o fechamento do site Megaupload e similares. Contudo, é praticamente
impossível bloquear a troca de arquivos usando os arquivos torrent, ou P2P.
Isso levou a indústria a entender que o cinema também está
globalizado, e por isso as janelas entre os lançamentos precisaram ser encurtadas,
além de se promoverem estreias mundiais, para os títulos mais importantes.
A ideia do pirata com uma câmera dentro do cinema é coisa do
passado. A maioria dos filmes que circulam na internet é feita a partir de
cópias digitais, muitas vezes até de DVDs entregues para divulgação.
A duras penas, a indústria do cinema tornou-se mais
dinâmica, com os cinemas transformados em outdoor, sendo o filme exibido apenas
uma ou duas semanas, e a grande arrecadação feita com o merchandising embutido
e com as cópias para o mercado doméstico. Mesmo isso começou a fraquejar com a
invasão dos DVDs piratas e o download pela internet.
Um novo equilíbrio, curiosamente, chegou com o aumento de
velocidade da internet, que permitiu a eliminação da mídia física, e a maior
oferta de filmes via streaming, tanto pelo aluguel de cópias – serviço ainda
caro – e outros como Netflix, que permitem assistir filmes com boa qualidade
nas mais variadas plataformas, pagando um valor simbólico.
Hoje em dia, até a exibição nos cinemas é digital, e não é
difícil imaginar que num futuro não muito distante, os lançamentos de filmes
novos podem até ser simultâneos com o cinema, reduzindo a zero a famosa
“janela”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário