A luz da estrela
moribunda
Onde estão os vinte e sete beijos perdidos de Nana
Dzhordzhadze? Se nunca ouviu falar nela ou numa atriz iniciante chamada Nuza
Kuchianidze, que tal dar um passeio na Rússia, numa viagem cheia de
simbolismos? Ao invés dos atormentados e arrastados clássicos russos, "Os
27 Beijos Perdidos" é uma comédia de humor sutil e quase ingênuo, mas
recheado de belas imagens, interpretações interessantes e um roteiro bem
amarrado.
A história passa-se no interior da Rússia, numa
época não muito bem determinada, quando Sibylla (Nuza Kuchianidze), uma
adolescente de catorze anos chega a uma pequena vila para morar com a tia. Já
na chegada, encontra as duas pessoas com que iria formar o mais improvável
triângulo amoroso: Mika (Shalva Iashvili), da mesma idade de Sibylla e
Alexander (Evgeniy Sidikhin), o pai do garoto.
Desenvolta e provocante, Sibylla choca a todos por
sua inocência despudorada. Mika apaixona-se por ela no instante em que a vê,
mas Sibylla só tem olhos para o pai dele, um astrônomo que vive noite e dia com
a cabeça nas estrelas. A pequena vila tem os mais estranhos e curiosos
personagens. O militar incompetente, sua mulher vadia, a sogra repressora, o
diretor moralista, etc.. Ao longo do verão, suas vidas entrecruzam-se com
amores, brigas, traições, solidariedade, enquanto Mika tenta chegar ao coração
de Sibilla e esta ao de Alexander.
Embora seja uma tragédia anunciada, "Os 27 Beijos
Perdidos" são um retrato da Rússia em um delicado momento de transição.
Através de seus personagens, pode ser formado o quadro de um país outrora
poderoso em busca de uma nova identidade. Algumas imagens são absolutamente
mágicas, como o barco que viaja pelas ruas do vilarejo à luz de uma lua
feérica. Outras são intrigantes e divertidos, como o uso de livros de Marx para
chegar ao prazer, o diretor que morre na cama da recatada professora de
francês, ou o portentoso amante que descobre que rolamentos e sexo não
combinam...
Seria a nova Rússia a jovem Sibylla, que balança seu
coração entre o futuro incerto de Mika ou o conservadorismo maduro de
Alexander? Ou é o velho barco que após sete anos submerso, segue em busca do
mar que o abandonou? O medo do futuro é justificado pela fala de um dos
personagens: "só os tolos não tem medo"...
Independente dos simbolismos, este é um filme leve e
divertido, tecnicamente muito bem feito. A fotografia é brilhante, em especial
nas cenas noturnas. As paisagens são fantásticas, de uma Rússia pouco conhecida
mas, não menos interessante. O elenco está perfeito, com destaque para o casal
jovem, Shalva Iashvili e Nuza Kuchianidze.
“Os 27 Beijos Perdidos” participou do Festival de
Cannes 2000 e ganhou o prêmio especial do Júri do Festival de Bruxelas, e de
público do Festival de Montpellier, ambos em 2001, além de de outros êxitos na
França e Bulgária. Este filme é uma obra autoral da diretora Nana Dzhordzhadze,
nascida na Geórgia no tempo da União Soviética, e que largou a carreira de
arquiteta para lançar-se no cinema.
A edição brasileira em DVD foi distribuída pela
Europa Filmes, que não é muito generosa nos conteúdos. Contudo, o formato de
tela foi mantido em widescreen e o som disponível no original russo em estéreo,
o que não prejudica a maravilhosa trilha sonora do filme. As legendas estão
disponíveis em inglês e português. Como extras, apenas notas de produção e
elenco.
Apesar de algumas cenas de breve nudez, o filme é
muito mais leve que as novelas e minisséries em nossa televisão. Além de ser um
conjunto harmonioso de sons e imagens, o enredo caprichado de "Os 27
Beijos Perdidos" mostra que se pode misturar humor, emoção e técnica. Ao
contrário do que apregoa a propaganda do tio Sam, ainda existe vida inteligente
nos escombros da cortina de ferro. Confiram.