Filme da Semana: “Uma Turma Difícil”
O acervo cinematográfico tem
muitos filmes baseados na educação, e turmas de adolescentes mal comportados,
que são “salvos” por um professor genial já fizeram sucesso desde “Ao Mestre, Com
Carinho”, estrelado por Sidney Poitier. Mas, é sempre bom ver casos de sucesso
como o que mostrado no excelente filme francês “Uma Turma Difícil” (“Les
Heritiers”, 2014).
O Liceu Léon Blum é um colégio
publico francês como tantos outros, situado no banlieue, o subúrbio, região
mais pobre, habitada predominantemente por imigrantes e descendentes. Diferente
de países como o Canadá, onde a imigração é muito seletiva, a França
historicamente tem abrigado incontáveis grupos de imigrantes de muitos lugares,
notadamente suas antigas colônias africanas e asiáticas.
Assim é o pequeno universo de
uma das salas do penúltimo ano do liceu, formado por jovens de diferentes
etnias, origens e religiões. A turma, uma das mais problemáticas da escola está
sob a direção da Sra. Guéguen (Ariane Ascaride), que também dá aulas de
História, Geografia e História da Arte.
O convívio não é fácil,
principalmente pelo choque de culturas. A França, muito ciosa da separação
entre a religião e estado advinda da Revolução de 1789, tem leis que impedem qualquer
manifestação religiosa dentro de escolas e prédios públicos, incluindo aí
simples crucifixos e os véus usados pelas muçulmanas, o que é ilustrado em uma
das cenas iniciais do filme.
A insatisfação dos jovens é
agravada pela própria idade, onde os últimos traços infantis ainda se chocam
com a perspectiva da chegada da vida adulta.
É neste clima de tensão
permanente que a Sra. Guéguen chega com uma proposta que a princípio soa como
uma tarefa impossível. Ela propõe aos alunos a participação no Concurso
Nacional de Resistência e Deportação, explorando o tema “crianças e
adolescentes nos campos de concentração nazistas”.
A primeira reação dos alunos é
de estupefação. Todos sabiam vagamente que a Segunda Guerra Mundial tinha sido
contra os nazistas, uns poucos sabiam do Holocausto, mas ninguém imaginava o
real envolvimento da França, principalmente no que dizia respeito ao tema.
Aceitando o trabalho com
relutância, eles vão pesquisando como fazem os jovens da internet, copiando
páginas da Wikipédia e figuras do Google. Estimulados pela Sra. Guéguen e pela
bibliotecária (Geneviève Mnich), que sempre respondem suas perguntas com mais
perguntas, eles vão aos poucos mergulhando no universo do tema, descobrindo as
vítimas, seus testemunhos, e seus destinos.
Algumas cenas do filme são
antológicas, como o testemunho de Léon Zyguel, um sobrevivente do Holocausto,
que morreu pouco depois do lançamento do filme. Alguns conceitos são colocados
em destaque, como a ideia de que toda figura tem um objetivo, e de que nenhuma
piada é inocente, principalmente quando explora uma raça, religião ou opção
sexual.
É possível que, a esta altura do
texto, o leitor esteja pensando que já viu este filme antes. Se pensou em
“Escritores da Liberdade”, estrelado por Hillary Swank, não deixa de ter razão,
embora os pontos em comum sejam escolas pobres, turmas difíceis e pesquisas
relacionadas à Segunda Guerra – além de professoras criativas e estimulantes.
No caso do colégio francês, além
do caso ter sido real e ser retratado com notável fidelidade, os resultados
foram surpreendentes, pois eles não apenas conseguiram o prêmio, como também a
maioria da turma terminou o liceu com distinção. Um dos alunos, Ahmed Dramé,
que sonhava fazer cinema, foi quem procurou a diretora Marie-Castille
Mention-Schaar com a ideia do filme e os dois escreveram o roteiro do mesmo.
Ahmed e sua irmã Koro também atuaram nos papéis de Malik e Léa.
Quando vemos estes casos de
sucesso estudantil, é inevitável a pergunta: será que conseguiríamos o mesmo no
Brasil? É difícil dizer, pois a realidade de ensino do Brasil é totalmente
diferente da França ou Estados Unidos, lugares onde o ensino público é quase a
totalidade em se tratando de fundamental e secundário.
Embora os problemas dos jovens
seja universal, ainda mais em um mundo globalizado, no Brasil o ensino público
é para pobres, e é igualmente pobre, com a exceção os institutos federais de
educação.
Mas, independente de pobre ou
rico, falta aos jovens o estímulo para o pensamento crítico, para perguntas que
não tem respostas fáceis, para necessidades que vão além do ENEM e de um lugar
numa universidade pública.
Como disse em entrevista a
professora Anne Anglès, a verdadeira mestre que foi vivida nas telas por Ariane
Ascaride, "Para mim, o objetivo era que aqueles alunos passassem do ter ao
ser. Eu queria que eles aprendessem a ser e estar juntos, coletivamente, que
eles se apropriassem dos valores daqueles que tiveram a sorte de sobreviver a
este crime de massa, este genocídio, porque isso mexe com as pessoas, mesmo
sendo extremamente pesado".
“Uma Turma Difícil” é um filme
muito interessante, totalmente diferente destes filmes bobos de colégio
americano, mostrando como a intolerância que nos cerca e sufoca dia a dia pode
ser aliviada com a simples e boa ideia de que estamos juntos no mesmo barco e
que a união e a compreensão ainda são a melhor forma de resolver os problemas.
Título original: “Les Heritiers”
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