segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Coluna Claquete – 12 de setembro de 2016 - Filme da Semana: "Corações Sujos"



Filme da Semana: “Corações Sujos”


Na guerra, a verdade é a primeira vítima. Esta citação, atribuída ao dramaturgo grego Ésquilo, parece que jamais perderá sua validade. Em todas as guerras a propaganda sempre será uma das armas mais importantes, e atrelada a ela, a manipulação de ideias e fatos. Também foi assim com um evento pouco conhecido da História do Brasil, acontecido após a Segunda Guerra Mundial, e que só veio à luz do dia através do belo livro de Fernando Morais, e do filme de Vicente Amorim: “Corações Sujos”.
Poucos sabem, mas, embora o Brasil nunca tivesse entrado em guerra com o Japão, os imigrantes daquele país, que aqui formavam a maior colônia do mundo, foram muito perseguidos, impedidos de viajar livremente, de possuir rádios, de ter publicações em sua língua, de transmitir sua cultura às crianças, e mesmo até mostrar sua bandeira.
Não é de estranhar que, após o término oficial da guerra, a maioria da colônia japonesa no Brasil duvidava que o Japão tivesse perdido. Em sua lógica, o Japão nunca havia sido derrotado em dois mil anos, e se fosse o caso, todos os japoneses teriam que cometer suicídio. Alie-se isso ao fato de, na década de 1940, as comunicações serem sofríveis, principalmente em tempos de guerra.
Por conta de um incidente, onde um arrogante policial invadiu uma festa e profanou a bandeira japonesa, usando-a para limpar as botas, começou um movimento subterrâneo na colônia, que culminaria com dezenas de mortes e milhares de prisões.
Os nacionalistas ou tokkotai, que não acreditavam na derrota do Japão, criaram organizações que tinham como objetivo punir os japoneses que “haviam se rendido ao inimigo”, que falavam na derrota do país, que falavam português, e se adaptavam aos costumes locais. Estes eram apelidados de “corações sujos”.
O que para muitos parecia simplesmente ser uma “briga entre japoneses” na verdade tornou-se um caso de sofisticada máquina de propaganda, com falsificação de reportagens de revistas internacionais, revertendo a vitória para o Japão.
Esse movimento prejudicou bastante a economia brasileira, pois tudo o que era considerado “importante para o inimigo” era boicotado ou sabotado. Os tokkotai trouxeram para o Brasil, principalmente o interior de São Paulo e Paraná, ações de guerra que nunca tinham acontecido durante a guerra real.
Ao longo dos anos 1946 e 1947, 23 imigrantes foram mortos pelos tokkotai, e 147 ficaram feridos. O caso tomou proporções tais que mais de 31 mil imigrantes foram presos durante anos, dos quais 381 efetivamente julgados, e 80 condenados à prisão e expulsão do país. Em 1956, todos terminaram sendo anistiados pelo presidente Kubitschek.
Ao contrário do livro de Fernando Morais, que como sempre prima pela farta documentação e testemunhos, o filme traz os acontecimentos em forma de ficção, mostrando-os sob a ótica do fotógrafo Takahashi (Tsuyoshi Ihara), sua mulher Miyuki (Takako Tokiwa), e a pequena Akemi (Celine Fukumoto).
Takahashi é cooptado pelo Watanabe (Eiji Okuda), um oficial reformado do exército imperial japonês, para participar do movimento de punição aos traidores da pátria. Takahashi sente dúvidas sobre se é certo o que fazem, principalmente quando ele mesmo tem que falsificar fotografias para criar a ilusão da vitória do Japão.
O filme recria de forma competente o Brasil rural do pós-guerra, e da colônia japonesa. O diretor de fotografia usou um filtro amarelado que remete ao universo em torno do qual acontecem os fatos. Por outro lado, o uso de um filtro que desfocava as bordas incomoda um pouco pelo excesso com que foi aplicado.
Outro detalhe que chamou a atenção – e que incomoda qualquer amante das artes marciais japonesas – foi a proposta do filme de usar a espada longa, a katana, para suicídios. Na vida real, era oferecido às vítimas dos tokkotai um tantô, uma faca militar japonesa. No antigo Japão, os samurais usavam, para o suicídio ritual, a wakizashi, a menor do par que costumeiramente utilizavam. Seria impossível fazer isso com a maior.
Esquecendo estes detalhes técnicos, o filme é importante por mostrar estes fatos aparentemente esquecidos da história brasileira, e que na verdade são mais uma mostra de como a intolerância e o fanatismo fazem mal à humanidade. Seriam tão bom que as pessoas vissem estes filmes e tomassem para si essa mensagem de comunhão de vida. Bem, se a verdade é a primeira vítima da guerra, a esperança sempre é a última que morre.





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