domingo, 11 de agosto de 2019

Coluna Claquete - Artigo: Do Além ao Apocalipse




Newton Ramalho



Artigo: Do Além ao Apocalipse



Como vivemos em um mundo saturado de informações, e é difícil absorver mais que uma ínfima parte delas, é comum as pessoas fazerem generalizações a partir de seus gostos pessoais. Assim, muitos imaginam que animações são produtos destinados às crianças, e que a Disney é que faz o melhor nessa área. Bom, é impossível negar a importância da Disney principalmente devido ao seu fundador, e que também, nos dias atuais, a aquisição da Pixar elevou o estúdio para outro patamar.
Contudo, um polo igualmente importante de produção de animações está do outro lado do mundo, o Japão. Os fãs irão pensar logo no Studio Ghibli, responsável por criações maravilhosas, como “A Viagem de Chihiro” (“Sen to Chihiro no kamikakushi”,JAP,2001), ganhador do Oscar 2003 de Melhor Animação. Na verdade, o país do Sol Nascente tem uma longa tradição de animações de altíssima qualidade – e nem sempre direcionadas para o público infantil.
Lembro que aqui no Brasil houve uma grande polêmica sobre uma propaganda de automóveis que utilizava uma animação com um enfoque adulto, exatamente por essa associação entre o desenho animado e o público infantil. No Japão existem animações para todos os públicos e gostos, indo de dramas bem pesados, como o comovente “Túmulo dos Vagalumes” (“Hotaru no haka”,JPA,1988) de Isao Takahata, até desenhos eróticos, os chamados hentai.
Deste universo maravilhosamente prolífico, tive a oportunidade de assistir recentemente duas belas animações, com temáticas bem diferentes: “Uma Carta para Momo” (“Momo e no tegami”,JAP,2011) e “Origem: Espíritos do Passado” (“Gin’iro no kami no Agito”,JAP,2006).
“Uma Carta para Momo” une uma delicada história de perda com elemento do folclore e cultura japoneses, tema recorrente nas animações nipônicas. Momo é uma menina de dez anos, que após a morte inesperada do pai, é obrigada a trocar a fervilhante Tóquio pela remota ilha de Shio, onde reside os remanescentes da família de sua mãe.
Além de perder o modo de vida ao qual estava acostumada, amigos e escola, Momo também é perturbada por uma estranha descoberta, uma carta que o pai começara a escrever, e que continha apenas as palavras “querida Momo”. Isso é agravado pelo fato de que, antes da morte do pai, ela tivera uma discussão séria com ele, o que ficou pesando em sua consciência.
Enquanto a mãe lida com suas próprias dificuldades, Momo tenta se adaptar ao bucólico ambiente da ilha, que a deixa terrivelmente entediada. É então que surgem em sua vida três estranhos seres sobrenaturais, que tem como missão zelar pela garota e sua mãe. O gigantesco Iwa, o flatulento Kawa e o infantil Mame atrapalham mais do que ajudam, inclusive no fato de que deveriam estar invisíveis, mas Momo consegue interagir com eles todo o tempo. Enquanto luta com suas próprias incertezas e pesares, Momo tem que controlar os atrapalhados seres, inclusive ajudando a salvar a vida de sua mãe.
“Uma Carta para Momo” é uma linda fábula de perda e superação, com ênfase nos bons valores de família, amizade e determinação. Apesar de perfeitamente normais para a cultura japonesa, todos os seres sobrenaturais são disformes e até monstruosos, diferindo muito dos fofos coadjuvantes das produções ocidentais. Na verdade, outra característica de animações japonesas é a ausência da dicotomia “esse é do Bem, aquele é do Mal”.
Em “Origem: Espíritos do Passado” encontramos outra temática muito frequente nos anime japoneses, a vida em um ambiente pós-apocalíptico. Essa fixação tem uma razão histórica: o Japão foi a única nação a sofrer um ataque nuclear que afetou toda uma população civil, com efeitos perdurando por décadas!
A história do filme se passa em cerca de trezentos anos no futuro, depois que plantas desenvolvidas em laboratórios na Lua destruíram a civilização da Terra e dominaram o planeta. A Floresta, uma entidade inteligente, não apenas derrotou os humanos, como também descobriu uma forma de utiliza-los, transformando-os em Humanos Intensificados.
Alguns desses humanos modificados conseguiram chegar a uma forma de coexistência com a Floresta, criando uma comunidade chamada Cidade Neutra, enquanto que os mais resistentes foram para outro lugar, entrincheirando-se em um reduto industrializado, a cidade da Laguna.
Na Cidade Neutra vivem Agito e Caim, dois meninos cheios de vida e sempre propensos a cometer algumas molecagens que contrariavam o rígido código de comportamento acertado com a Floresta. Numa dessas vezes, Agito penetra nas profundezas da montanha dominada pela Floresta, e descobre uma antiga espaçonave que trouxeram humanos da Lua.
Em meio aos destroços, Agito encontra uma cápsula com uma menina ainda em animação suspensa. Sua presença faz com que a cápsula desperte a menina, trazendo-a de volta à vida. Agito descobre que a menina pertencia à civilização antiga, e que se chamava Tula.
Enquanto Tula tenta se adaptar ao novo mundo, sua presença já fora notada tanto pela Floresta quanto pelos humanos de Laguna, onde também havia outro sobrevivente do passado. Um jovem chamado Shunack também sobrevivera e prestava serviços ao exército da cidade, graças a seus conhecimentos sobre a Floresta.
Não demora para que um destacamento de soldados de Laguna venha com Shunack em busca de Tula. Ela era filha de Sakura, um cientista que concebera uma solução para os humanos se libertarem da Floresta.
Shunack convence Tula a acompanhá-lo a uma antiga instalação militar projetada pelo Dr Sakura, e ativar sua solução contra a Floresta. Mas, Shunack tem sua própria agenda, e quando seus objetivos malignos são revelados, descobre-se que a atual situação da Terra são consequências de seus atos no passado. Agora, a esperança está em Agito, com o apoio de todos os humanos e vegetais.
“Origem: Espíritos do Passado” traz uma curiosa história sobre a relação do homem com a natureza, e dos perigos que podem abalar o delicado equilíbrio do mundo em que vivemos, com uma crescente e irresponsável atitude de pessoas e governos destruindo tudo de maneira inconsequente.
Diferente das recentes animações tridimensionais que tem chegado ao mercado, as produções japonesas ainda usam técnicas de desenho tradicionais em 2D, colocando mais ênfase nas histórias e expressões. Para quem ama o desenho animado, seja qual for a técnica utilizada, é sempre um prazer assistir essas histórias maravilhosas.


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