segunda-feira, 30 de julho de 2018

Coluna Claquete - Filme da Semana: "Manhattan"



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Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com


Filme da Semana: “Manhattan”


Poema de amor em preto e branco

 
“Filme de intelectual é chato!”. Quantas vezes já não escutamos essa reclamação, e, diga-se de passagem, com razão. Boa parte dos filmes de Woody Allen, enquadra-se na categoria “intelectualóide”, destinado a coletar poeira, nas estantes das locadoras. Para quem percorreu uma imensa gama de temas e abordagens, Allen certamente terá obras suas enquadradas como chatas, e, outras, como geniais. Para o bem de todos e felicidade geral da nação cinéfila, “Manhattan” (EUA, 1979) está mais próximo desta última categoria.
O início do filme cativa, e, assusta. A abertura traz algumas paisagens de New York, ao som da belíssima Rhapsody in Blue, de George Gershwin, trazendo o espectador para a Big Apple, que reside na imaginação de todos. Contudo, a fotografia preto e branco e a narração em off de Allen, já deixa as pessoas com um pé atrás: “Ele adorava New York City, embora fosse para ele uma metáfora da decadência da cultura atual.”...
A história é complexa, assim como a vida real o é. Allen vive Ike Davis, um frustrado escritor de televisão, que sonha em escrever seu primeiro livro. Tendo sobrevivido a dois divórcios, Ike namora Tracy (Mariel Hemingway), uma linda secundarista de dezessete anos, a quem vive dizendo que nunca terão um futuro juntos, já que ele é vinte e cinco anos mais velho que ela.
Seu melhor amigo, Yale (Michael Murphy), tem um casamento sólido, mas mantém um relacionamento com outra mulher. A amante, Mary Wilke (Diane Keaton), uma jornalista metida a intelectual, troca farpas com Ike desde o primeiro encontro, mas aos poucos, vai desenvolvendo uma amizade com o escritor.
Ike tem seus próprios problemas, pois além de pedir demissão num arroubo, descobre que a ex-esposa, que o trocou por outra mulher, está escrevendo um livro sobre o casamento dos dois. Para complicar, começa a envolver-se emocionalmente com Mary, mesmo que esta ainda não tenha se desligado de Yale. Assumindo seu novo romance, Ike rompe com Tracy para ficar com Mary. Ponto. Se falar mais, estrago a surpresa.
Apesar da verborragia quase incessante de Allen, no seu constante padrão neurótico-obsessivo, a história flui sem problemas, porque relacionamento humano é um elemento universal. Adicionalmente, a belíssima fotografia pancromática e a deliciosa trilha sonora repleta de melodias famosas, transportam o espectador para um mundo criado por Allen apenas para nosso deleite.
Nesse mundo, a New York que existe é romântica e especial, sem nada a ver com ataques terroristas ou capitalismo selvagem. São belas fachadas, silhuetas estreladas por luzes, vitrines convidativas, restaurantes aconchegantes. Até a quitinete de Ike, com sua água enferrujada e barulho dos vizinhos, parece pitoresca. Nesse universo paralelo, é natural passear com o cachorro em plena madrugada, ou, receber uma ligação do analista às três da manhã.
O analista é uma constante no universo woodyano, pois todos são neuróticos de carteirinha. A honrosa exceção fica por conta de Tracy, que, nos seus dezessete anos, parece ser a personagem de maior maturidade nessa história toda.
O elenco está excelente, não só os veteranos Allen e Keaton, que viviam juntos na época, como também a novata Mariel Hemingway, estalando de nova, em seu segundo trabalho no cinema. O primeiro fora o drama policial “A Violentada”, com a irmã Margaux em 1976.
O filme foi lançado em DVD e posteriormente em BluRay, mas nenhum dos dois trouxe mais que o trailer de cinema. Contudo, o formato widescreen foi mantido, permitindo apreciar a bela fotografia do filme. Isso parece ter sido exigência do próprio Allen, pois mesmo em VHS o formato da tela foi mantido como no cinema. O áudio traz as opções inglês e espanhol 2.0, e as legendas em inglês, espanhol e português.
“Manhattan” foi mais uma ousadia de Allen, que vinha do premiado “Annie Hall”. Indiferente ao padrão da indústria, teimou em fazer um filme preto e branco, tratando do seu tema favorito, a cidade de New York. Mais do que uma simples declaração de amor à cidade, este filme é também um manifesto à juventude, como esperança de redenção da humanidade.
Este filme foi indicado para os Oscars de Melhor Roteiro Original, e Melhor Atriz Coadjuvante (Mariel Hemingway). As premiações mais importantes foram as do BAFTA, nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro, e do César, como Melhor Filme Estrangeiro. No total, foram 15 premiações e 23 indicações em todo o mundo.
Talvez o cineasta estivesse prevendo seu próprio destino, quando, anos mais tarde, viveria um caso de amor com a filha adotiva de sua ex-mulher, Mia Farrow, numa comprovação de que, algumas vezes, é a Vida que imita a Arte.

Título Original: “Manhattan”

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