www.colunaclaquete.com.br
Newton
Ramalho - colunaclaquete@gmail.com
Filme da Semana: “Manhattan”
Poema de amor em preto e branco
“Filme de
intelectual é chato!”. Quantas vezes já não escutamos essa reclamação, e,
diga-se de passagem, com razão. Boa parte dos filmes de Woody Allen,
enquadra-se na categoria “intelectualóide”, destinado a coletar poeira, nas
estantes das locadoras. Para quem percorreu uma imensa gama de temas e abordagens,
Allen certamente terá obras suas enquadradas como chatas, e, outras, como
geniais. Para o bem de todos e felicidade geral da nação cinéfila, “Manhattan”
(EUA, 1979) está mais próximo desta última categoria.
O início do filme cativa, e,
assusta. A abertura traz algumas paisagens de New York, ao som da belíssima
Rhapsody in Blue, de George Gershwin, trazendo o espectador para a Big Apple,
que reside na imaginação de todos. Contudo, a fotografia preto e branco e a
narração em off de Allen, já deixa as pessoas com um pé atrás: “Ele adorava New
York City, embora fosse para ele uma metáfora da decadência da cultura
atual.”...
A história é
complexa, assim como a vida real o é. Allen vive Ike Davis, um frustrado
escritor de televisão, que sonha em escrever seu primeiro livro. Tendo
sobrevivido a dois divórcios, Ike namora Tracy (Mariel Hemingway), uma linda
secundarista de dezessete anos, a quem vive dizendo que nunca terão um futuro
juntos, já que ele é vinte e cinco anos mais velho que ela.
Seu melhor
amigo, Yale (Michael Murphy), tem um casamento sólido, mas mantém um
relacionamento com outra mulher. A amante, Mary Wilke (Diane Keaton), uma
jornalista metida a intelectual, troca farpas com Ike desde o primeiro
encontro, mas aos poucos, vai desenvolvendo uma amizade com o escritor.
Ike tem seus
próprios problemas, pois além de pedir demissão num arroubo, descobre que a ex-esposa,
que o trocou por outra mulher, está escrevendo um livro sobre o casamento dos
dois. Para complicar, começa a envolver-se emocionalmente com Mary, mesmo que
esta ainda não tenha se desligado de Yale. Assumindo seu novo romance, Ike
rompe com Tracy para ficar com Mary. Ponto. Se falar mais, estrago a surpresa.
Apesar da
verborragia quase incessante de Allen, no seu constante padrão neurótico-obsessivo,
a história flui sem problemas, porque relacionamento humano é um elemento
universal. Adicionalmente, a belíssima fotografia pancromática e a deliciosa
trilha sonora repleta de melodias famosas, transportam o espectador para um
mundo criado por Allen apenas para nosso deleite.
Nesse mundo,
a New York que existe é romântica e especial, sem nada a ver com ataques
terroristas ou capitalismo selvagem. São belas fachadas, silhuetas estreladas
por luzes, vitrines convidativas, restaurantes aconchegantes. Até a quitinete
de Ike, com sua água enferrujada e barulho dos vizinhos, parece pitoresca.
Nesse universo paralelo, é natural passear com o cachorro em plena madrugada,
ou, receber uma ligação do analista às três da manhã.
O analista é
uma constante no universo woodyano, pois todos são neuróticos de carteirinha. A
honrosa exceção fica por conta de Tracy, que, nos seus dezessete anos, parece
ser a personagem de maior maturidade nessa história toda.
O elenco está
excelente, não só os veteranos Allen e Keaton, que viviam juntos na época, como
também a novata Mariel Hemingway, estalando de nova, em seu segundo trabalho no
cinema. O primeiro fora o drama policial “A Violentada”, com a irmã Margaux em
1976.
O filme foi
lançado em DVD e posteriormente em BluRay, mas nenhum dos dois trouxe mais que
o trailer de cinema. Contudo, o formato widescreen foi mantido, permitindo
apreciar a bela fotografia do filme. Isso parece ter sido exigência do próprio
Allen, pois mesmo em VHS o formato da tela foi mantido como no cinema. O áudio
traz as opções inglês e espanhol 2.0, e as legendas em inglês, espanhol e
português.
“Manhattan”
foi mais uma ousadia de Allen, que vinha do premiado “Annie Hall”. Indiferente
ao padrão da indústria, teimou em fazer um filme preto e branco, tratando do
seu tema favorito, a cidade de New York. Mais do que uma simples declaração de
amor à cidade, este filme é também um manifesto à juventude, como esperança de
redenção da humanidade.
Este filme
foi indicado para os Oscars de Melhor Roteiro Original, e Melhor Atriz
Coadjuvante (Mariel Hemingway). As premiações mais importantes foram as do
BAFTA, nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro, e do César, como Melhor
Filme Estrangeiro. No total, foram 15 premiações e 23 indicações em todo o
mundo.
Talvez o
cineasta estivesse prevendo seu próprio destino, quando, anos mais tarde,
viveria um caso de amor com a filha adotiva de sua ex-mulher, Mia Farrow, numa
comprovação de que, algumas vezes, é a Vida que imita a Arte.
Título
Original: “Manhattan”
Nenhum comentário:
Postar um comentário