Newton Ramalho
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Filme da Semana:
“Corpo e Alma”
Uma história de
amor e sonhos
Uma das coisas mais fascinantes em
relação ao cinema, é que cada um dos espectadores de um filme pode ter uma
percepção diferente, inclusive do autor, e nenhum deles estará errado. Não
importa se o filme é de Bergman ou de Zé do Caixão, a percepção será construída
a partir da história de vida e dos sentimentos de cada um. É o caso do filme
húngaro “Corpo e Alma” (“Teströl és lélekröl”, HUN, 2017), um dos finalistas
indicados para a categoria Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2018.
A história se passa na Hungria, mas
poderia ser em qualquer lugar do mundo. Em uma usina de processamento de carne
animal, um grupo de pessoas convive e trabalha, numa familiaridade construída
ao longo dos anos.
Entre eles está Endre (Géza
Morcsányi), o gerente financeiro da empresa, um cinquentão solitário,
divorciado e pouco social, que tem um braço paralisado, não estando definida a
razão. Endre mantém uma certa distância de todos, até mesmo da filha e da
ex-mulher.
A rotina da fábrica é perturbada
com a chegada de Mária (Alexandra Borbély), a nova inspetora de qualidade de
produto. Absolutamente focada no trabalho, Mária não interage com ninguém,
principalmente por causa de sua franqueza absoluta, motivada por algum grau de
autismo.
O que muda na vida dos dois é uma
coincidência encontrada por uma psicóloga ao entrevistar o pessoal da fábrica:
Endre e Mária relatam o mesmo sonho, até os mínimos detalhes. Embora isso gere
estranheza para a psicóloga, e até para eles mesmos, aos poucos eles ficam
curiosos para ver até que ponto isso é real.
Curiosamente, enquanto suas
próprias condições de vida os mantém afastados e estranhos aos olhos do outro,
é nos sonhos que eles se aproximam e constroem uma inusitada forma de amor.
Embora seja um dos filmes mais
belos que já assisti, certamente não agradará o espectador habituado aos
blockbusters de Hollywood. O filme tem um ritmo lento, com poucos diálogos e
longos períodos de silêncio, extremamente importantes para relatar a solidão
destas duas personagens tão diferentes do lugar comum.
Por outro lado, essas duas horas de
filme ajudam o espectador a vivenciar esta estranha história de amor, e torcer
para que essas duas almas solitárias se encontrem no mundo real.
Certamente, em algum momento o
espectador pensará se aquela história é literal ou simbólica. É mesmo um caso
de amor entre um homem maduro e semi-paralítico com uma moça jovem, bonita, mas
autista? Ou estão simbolizando pessoas comuns, cheias de defeitos, que
precisarão emergir da rotina do dia a dia para estabelecer uma relação de
sentimentos? Não importa, ambas hipóteses ou nenhuma podem estar certas. O mais
interessante é a construção de uma belíssima história de amor, levada às telas
com maestria pela diretora húngara Ildikó Enyedi, também responsável pelo
roteiro.
Além da indicação para o Oscar, “Corpo
e Alma” ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim, alem de outras três
premiações. O filme também foi premiado em outros quatro festivais, entre eles
o European Academy Awards, além de mais doze indicações em diversas categorias.
Embora tenha um ritmo e
desenvolvimento diferentes do comum, “Corpo e Alma” tem uma poesia em forma de
filme poucas vezes visto antes nas telas de cinema, enriquecido por uma
fotografia deslumbrante e uma trilha sonora envolvente. Recomendo a todos que tenham
o coração aberto e gostem de ver filmes além do jardim. Experimentem.
Título original: “Teströl és
lélekröl”
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