Como cinéfilo que sou, sempre
considerei o cinema uma excelente ferramenta para complementar a educação
formal. Afinal de contas, visualizar um acontecimento histórico com imagens em
ação, músicas, diálogos sonoros, efeitos especiais e tantas outras
possibilidades que o cinema oferece é uma ótima maneira de despertar e manter a
atenção, ajudar a memorização, e, principalmente, despertar o senso crítico das
pessoas.
Exatamente por pensar assim, fico
indignado quando vejo um filme apresentar um fato histórico de forma
distorcida, incompleta, ou inverídica. Fico imaginando o porquê de se gastar
milhões – normalmente, dólares – e exibir mundialmente um filme com pouca ou
nenhuma contribuição à veracidade dos fatos.
Não foram poucas as vezes em que
sofri esta decepção, sendo a mais recente com o filme “Dunkirk”, de Christopher
Nolan. Este diretor, que nos brindou com as magníficas ficções-científicas
“Interestelar” e “A Origem”, a série Batman Begins e o enigmático “Amnésia” parece
ter tido dificuldades ao lidar com eventos reais.
A retirada de Dunquerque ( Dunkirk,
em inglês, e Dunkerque, em francês) foi um dos eventos mais importantes e
decisivos da Segunda Guerra Mundial. Ainda no início da guerra, quando só os
países europeus estavam envolvidos, a nova estratégia alemã de blitzkrieg
surpreendeu ingleses e franceses com a invasão do território francês através da
Holanda, ignorando a obsoleta linha Maginot.
O avanço alemão era rápido e
implacável, com dez divisões blindadas, com moderníssimos tanques Panzer, e 117
divisões de infantaria. As tropas inglesas que tinham vindo ajudar os franceses
foram obrigadas a recuar para uma estreita faixa de terra na cidade de
Dunquerque, prevendo-se uma aniquilação das tropas ou rendição total. Por
razões nunca explicadas, o ataque alemão foi refreado por seu alto comando, o
que favoreceu um plano de retirada dos soldados ingleses.
A decisão da retirada envolvia
muitos riscos. Se por um lado havia a possibilidade de perder centenas de
milhares de soldados, a logística para resgatá-los também era muito arriscada,
pois os navios eram presas fáceis para os submarinos e aviões inimigos.
Na Inglaterra houve uma grande
discussão no nível político, pesando de um lado a preservação das tropas, e do
outro a preservação dos recursos. Por fim, prevaleceu a ideia de recuperar os
homens, que seriam extremamente necessários em caso de invasão alemã à
Inglaterra.
As perdas aliadas foram grandes,
com seis navios de guerra ingleses e três franceses, além de muitos homens que
morreram na praia, aguardando a vez de embarcar. No período de 27 de maio a 4
de junho de 1940, a força aérea britânica perdeu 177 aviões contra 132 dos
alemães. Em compensação, neste mesmo período foram evacuados 338 mil soldados,
britânicos e franceses, que depois seriam utilizados na contraofensiva dos anos
seguintes.
Para quem quiser saber mais sobre a
realidade dos fatos, recomendo o ótimo documentário da BBC, “Dunkirk”,
produzido em 2004, e facilmente encontrado na internet. Nele não apenas os
fatos são apresentados de forma linear, com uma cronologia bem determinada,
mostrando os bastidores na Inglaterra e França, além dos eventos no campo de
batalha, inclusive a heroica participação de pescadores civis no resgate dos
soldados..
O filme de Nolan, por sua vez, traz
uma cronologia confusa, sem contextualização dos fatos, uma edição confusa, que
é mais atrapalhada pela trilha sonora, que se mantém contínua mesmo quando há
uma mudança significativa de eventos. Parece que a edição foi feita por um
amador, que além de tudo fumou alguma coisa estragada.
Continuo ainda com a mesma dúvida:
porque gastar milhões para apresentar uma visão distorcida da História? Claro,
sempre haverão os que defendem que a interpretação da História é livre.
Interpretação é uma coisa, mostrar fatos distorcidos é bem diferente.
O uso do cinema como propaganda
política não é novidade, principalmente antes da chegada da televisão. Todos os
governos usavam essa tática, sempre mostrando o seu lado de uma forma positiva,
e o inimigo de maneira totalmente negativa. Maior desserviço ainda é quando
cineastas famosos como Quentin Tarantino “criam” uma realidade alternativa com
filmes como “Bastardos Inglórios”, onde Hitler e seu comando geral foram mortos
em um cinema. O inverso ocorre com gênios como Charlie Chaplin, que usavam a paródia
para denunciar aquilo que os outros se recusavam a ver, como “O Grande
Ditador”, de 1940.
Ainda continuo entusiasta do uso do
cinema como suporte para a educação, mas, como tudo no mundo, mais do que nunca
é preciso ter visão crítica, analisar os fatos sempre apoiado em uma
contextualização histórica, e tentar tirar daí uma conclusão que nos ajuda a
criar um mundo melhor. Um mundo com História, não pseudo-histórias.
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