Newton Ramalho
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Especial: O Livro era melhor?
Desde que o cinema foi inventado, no final do século
19, a literatura tem proporcionado temas para os filmes, e, provavelmente,
desde aquela época existiram reclamações dos espectadores em relação às
diferenças entre o livro e o filme – obviamente, afirmando que o livro era
melhor.
Essa reclamação não se restringe ao universo dos
livros. Como o cinema busca inspiração em muitas fontes, todas essas, sejam os
quadrinhos, os videogames, biografias ou fatos históricos, todos reclamam da
falta de fidelidade ao original.
Essas reclamações tem razão de ser, e, ao mesmo
tempo, não. A verdade é que, ao se transpor uma obra para o cinema, o que chega
às telas é outra obra, criada por outros profissionais, com outros enfoques,
direcionada para um determinado público, e, o mais importante, utilizando
elementos da linguagem cinematográfica.
Imaginemos, por exemplo, o filme “Ben-Hur”. O livro
que inspirou o filme foi publicado em 1880, pelo general Lee Wallace, um
veterano da Guerra Civil, que escreveu uma história sobre um herói judeu
ficcional contemporâneo a Jesus Cristo. O livro com o título "Judah, uma
história de Cristo" vendeu milhões de exemplares em todo o mundo.
A primeira versão não literária foi nos palcos de
teatro em 1889, chegando a seis mil apresentações na Broadway, com o requinte
de várias bigas puxadas a cavalo em pleno teatro.
Em 1907, a história foi levada ao cinema, então uma
jovem indústria, num filme mudo, com um tempo total de quinze minutos, a
duração de um rolo, que era o padrão da época. Em 1925 foi feita uma nova
versão, que teve a coprodução da Metro-Goldwyn-Mayer. Ainda mudo e colorizado
artificialmente em duas cores, o filme foi uma superprodução na época, chegando
à incrível soma de quatro milhões de dólares.
Em 1959, chegou às telas a versão mais conhecida de
Ben-Hur. Dirigida por William Wyler e tendo Charlton Heston no papel-título,
foi uma das produções mais caras de toda a história do cinema.
Os best-sellers sempre foram temas para os filmes,
fosse “Guerra e Paz”, de Leon Tolstoy, que teve Audrey Hepburn e Henry Fonda
nos papéis principais, ou “Dr. Jivago”, de Boris Pasternak, que foi levado às
telas por David Lean, com Omar Shariff e Julie Christie.
É curioso como o tamanho do livro original não se
reflete obrigatoriamente no do filme, um produto que deverá ter entre uma hora
e meia e duas horas de duração.
A saga “Senhor dos Anéis”, mesmo rendendo três filmes
com três horas de duração – quatro na versão estendida – ainda despertou
reclamação dos leitores. Já o livro “O Hobbit”, do mesmo Tolkien, com pouco
mais de trezentas páginas, foi transformado em uma trilogia cinematográfica
igualmente gigante.
Dois exemplos contrastantes são o filme “Papillon”,
estrelado por Steve McQueen em 1973, baseado no livro autobiográfico de Henri
Charrière, que cobre apenas o terço inicial do livro. O inverso ocorre com “A
Festa de Babette”, uma bela produção dinamarquesa de 1987, que é baseada em um
conto de Karen Blixen que não tem mais do que doze páginas!
Outro exemplo interessante vem da obra “O Tempo e o
Vento”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo. Vários trechos da saga foram
transformados em filmes independentes, como “Ana Terra” (1971), “O Sobrado”
(1956), “Um Certo Capitão Rodrigo” (1971), e “O Tempo e o Vento” (2013).
Nos últimos tempos, provocado pelo fenômeno Harry
Potter, houve um grande crescimento da literatura juvenil, e um correspondente
boom de filmes baseados nestes livros. Esse crescimento, porém, não chegou sem
reclamações, pelas “infidelidades” ao texto original.
O que as pessoas esquecem é que um texto literário
dispõe unicamente das palavras para apresentar as ideias do autor. O processo
de construção da imagem da história acontece na cabeça do leitor, e cada um
pode ter uma percepção diferente – que pode ser até diferente daquilo imaginado
pelo escritor!
O cinema, por sua vez, além da imagem em movimento,
dispõe também do som, que engloba a voz dos atores, os ruídos ambientais, os
efeitos especiais, e a trilha sonora, que desempenha um papel importantíssimo
na ambientação do filme.
Com isso, cenas que pareciam importantes no livro são
mostradas rapidamente, porque não teriam impacto na linguagem cinematográfica,
enquanto outras ganham uma importância que no papel não fora sentida.
O exemplo que considero melhor é o jogo de xadrez do
filme “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Enquanto no livro a passagem é sem
grandes impactos, no filme ganha uma dramaticidade impressionante, com efeitos
especiais e um tom emocional, quando Ron se sacrifica pelo bem dos amigos.
Outro filme que ilustra a diferença de linguagens é
“Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2”, onde o filme fugiu da história do livro
ao mostrar a impressionante batalha entre os vampiros e lobisomens contra os
Volturi, trazendo impacto e dramaticidade, numa solução genial – e ainda
conseguindo manter a fidelidade à história original.
Reclamações sempre existirão, e isso é salutar. As
pessoas devem ler de tudo, de todos os gêneros, fazer suas análises críticas, e
também assistir muitos filmes. Como o resto do corpo, o cérebro também precisa
ser exercitado, e ninguém deve limitar-se a uma só linguagem. O importante é
mantê-lo ativo, mesmo que seja para reclamar que o livro era melhor.
Um comentário:
Preciso, perfeito!
Maravilhoso como sempre!
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