segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Coluna Claquete – 01 de agosto de 2016 - Especial: O livro era melhor?



 
 

Newton Ramalho

 

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Especial: O Livro era melhor?

Desde que o cinema foi inventado, no final do século 19, a literatura tem proporcionado temas para os filmes, e, provavelmente, desde aquela época existiram reclamações dos espectadores em relação às diferenças entre o livro e o filme – obviamente, afirmando que o livro era melhor.
Essa reclamação não se restringe ao universo dos livros. Como o cinema busca inspiração em muitas fontes, todas essas, sejam os quadrinhos, os videogames, biografias ou fatos históricos, todos reclamam da falta de fidelidade ao original.
Essas reclamações tem razão de ser, e, ao mesmo tempo, não. A verdade é que, ao se transpor uma obra para o cinema, o que chega às telas é outra obra, criada por outros profissionais, com outros enfoques, direcionada para um determinado público, e, o mais importante, utilizando elementos da linguagem cinematográfica.
Imaginemos, por exemplo, o filme “Ben-Hur”. O livro que inspirou o filme foi publicado em 1880, pelo general Lee Wallace, um veterano da Guerra Civil, que escreveu uma história sobre um herói judeu ficcional contemporâneo a Jesus Cristo. O livro com o título "Judah, uma história de Cristo" vendeu milhões de exemplares em todo o mundo.
A primeira versão não literária foi nos palcos de teatro em 1889, chegando a seis mil apresentações na Broadway, com o requinte de várias bigas puxadas a cavalo em pleno teatro.
Em 1907, a história foi levada ao cinema, então uma jovem indústria, num filme mudo, com um tempo total de quinze minutos, a duração de um rolo, que era o padrão da época. Em 1925 foi feita uma nova versão, que teve a coprodução da Metro-Goldwyn-Mayer. Ainda mudo e colorizado artificialmente em duas cores, o filme foi uma superprodução na época, chegando à incrível soma de quatro milhões de dólares.
Em 1959, chegou às telas a versão mais conhecida de Ben-Hur. Dirigida por William Wyler e tendo Charlton Heston no papel-título, foi uma das produções mais caras de toda a história do cinema.
Os best-sellers sempre foram temas para os filmes, fosse “Guerra e Paz”, de Leon Tolstoy, que teve Audrey Hepburn e Henry Fonda nos papéis principais, ou “Dr. Jivago”, de Boris Pasternak, que foi levado às telas por David Lean, com Omar Shariff e Julie Christie.
É curioso como o tamanho do livro original não se reflete obrigatoriamente no do filme, um produto que deverá ter entre uma hora e meia e duas horas de duração.
A saga “Senhor dos Anéis”, mesmo rendendo três filmes com três horas de duração – quatro na versão estendida – ainda despertou reclamação dos leitores. Já o livro “O Hobbit”, do mesmo Tolkien, com pouco mais de trezentas páginas, foi transformado em uma trilogia cinematográfica igualmente gigante.
Dois exemplos contrastantes são o filme “Papillon”, estrelado por Steve McQueen em 1973, baseado no livro autobiográfico de Henri Charrière, que cobre apenas o terço inicial do livro. O inverso ocorre com “A Festa de Babette”, uma bela produção dinamarquesa de 1987, que é baseada em um conto de Karen Blixen que não tem mais do que doze páginas!
Outro exemplo interessante vem da obra “O Tempo e o Vento”, do escritor gaúcho Érico Veríssimo. Vários trechos da saga foram transformados em filmes independentes, como “Ana Terra” (1971), “O Sobrado” (1956), “Um Certo Capitão Rodrigo” (1971), e “O Tempo e o Vento” (2013).
Nos últimos tempos, provocado pelo fenômeno Harry Potter, houve um grande crescimento da literatura juvenil, e um correspondente boom de filmes baseados nestes livros. Esse crescimento, porém, não chegou sem reclamações, pelas “infidelidades” ao texto original.
O que as pessoas esquecem é que um texto literário dispõe unicamente das palavras para apresentar as ideias do autor. O processo de construção da imagem da história acontece na cabeça do leitor, e cada um pode ter uma percepção diferente – que pode ser até diferente daquilo imaginado pelo escritor!
O cinema, por sua vez, além da imagem em movimento, dispõe também do som, que engloba a voz dos atores, os ruídos ambientais, os efeitos especiais, e a trilha sonora, que desempenha um papel importantíssimo na ambientação do filme.
Com isso, cenas que pareciam importantes no livro são mostradas rapidamente, porque não teriam impacto na linguagem cinematográfica, enquanto outras ganham uma importância que no papel não fora sentida.
O exemplo que considero melhor é o jogo de xadrez do filme “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Enquanto no livro a passagem é sem grandes impactos, no filme ganha uma dramaticidade impressionante, com efeitos especiais e um tom emocional, quando Ron se sacrifica pelo bem dos amigos.
Outro filme que ilustra a diferença de linguagens é “Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2”, onde o filme fugiu da história do livro ao mostrar a impressionante batalha entre os vampiros e lobisomens contra os Volturi, trazendo impacto e dramaticidade, numa solução genial – e ainda conseguindo manter a fidelidade à história original.
Reclamações sempre existirão, e isso é salutar. As pessoas devem ler de tudo, de todos os gêneros, fazer suas análises críticas, e também assistir muitos filmes. Como o resto do corpo, o cérebro também precisa ser exercitado, e ninguém deve limitar-se a uma só linguagem. O importante é mantê-lo ativo, mesmo que seja para reclamar que o livro era melhor.    

Um comentário:

Urso disse...

Preciso, perfeito!
Maravilhoso como sempre!