Filme
da Semana: “O Resgate do Soldado Ryan”
Desembarque no mundo real
Ontem, 6 de junho de 2016,
completou 71 anos de um dia especial em uma época terrível, quando o mundo inteiro
sofria com a Segunda Guerra Mundial. Hitler e seus exércitos dominavam toda a
Europa continental, fustigando a Inglaterra com bombardeios incessantes, mas
sofrendo derrotas na Rússia gelada. Neste dia, apelidado de Dia D, os
americanos lideraram a invasão Aliada, numa época em que eles eram os good guys,
que lutavam contra os nazistas torturadores. Muitos filmes foram feitos sobre
este histórico dia, mas um deles pôde usar toda a magia dos modernos efeitos
especiais, além de um primoroso trabalho de reconstituição histórica. O filme é
“O Resgate do Soldado Ryan”, dirigido por ninguém menos que Steven Spielberg.
O que foi o tal "Dia
D"?
O filme fala do famoso Dia D e
do desembarque na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial. Conversando com
algumas pessoas mais jovens, constatei uma coisa interessante: poucos sabem o
que representou o tal Dia D ou mesmo que diferença tem entre a Segunda Guerra, Guerra
do Vietnã, Guerra do Golfo, ou qualquer outra escaramuça das que vemos todos os
dias nos noticiários. Acrescentarei mais um ingrediente ao bolo de dúvidas:
será que qualquer um de nós tem noção do que seja uma guerra de verdade?
Acredito que não.
A Segunda Guerra Mundial foi
fruto de uma situação peculiar no mundo, onde uma imensa maioria dos países - o
nosso, inclusive - era dominado por ditadores fascistas, que através do
populismo - e pela força de armas - haviam chegado ao poder. Para quem
sobrevivera a um infernal início dos anos trinta, quando a economia mundial
fora abalada pela Grande Depressão de 1929, era tranquilizador ter uma situação
estável, mesmo com a maioria dos direitos individuais cerceados. Era assim na
Alemanha com Hitler, na Itália com Mussolini, na Espanha com Franco, em
Portugal com Salazar, na Argentina com Perón, no Brasil com Vargas e tantos
outros mais.
A Alemanha foi o maior expoente
dessa era. Submetidos a pesadas reparações da Primeira Guerra, passaram por um
período negro, que terminou mostrando-se o nascedouro ideal para o surgimento
do nazismo. Um retrato desse período está magnificamente exposto no filme "O
Ovo da Serpente" de Ingmar Bergman.
Metodicamente, Hitler foi
estruturando o país para ser uma potência militar. Aproveitando a inércia de
quem podia lhe fazer oposição, Inglaterra e França, foi anexando países
vizinhos até que a situação chegou ao ponto onde não havia retorno. Em 1939,
foi iniciada a guerra de fato. Durante dois anos, a maior parte das atividades
concentrava-se na Europa, com a dominação quase total da Alemanha. Só a
Inglaterra resistira à invasão alemã, mesmo sendo submetida a bombardeios
infindáveis. Com o ataque do Japão a Pearl Harbor em 1941, os Estados Unidos
entraram oficialmente na guerra, participando também das operações na Europa.
Em 1944, apesar da capitulação
da Itália, a França e países vizinhos continuavam ocupados pelos alemães. Um
grande desembarque foi planejado e era previsto por todos, embora não se
soubesse o dia e local exatos. A importância disso era o posicionamento das
defesas alemãs, comandadas pelo general Rommel, que fizera uma brilhante
campanha no norte da África, onde ganhara o apelido de "Raposa do Deserto".
Contando com menos recursos, ele teria que deslocar parte das tropas de um
ponto para outro em função do ataque.
No dia 6 de Junho de 1944, foi
feito o desembarque na Normandia. Suponhamos que a invasão fosse em Natal. As
lanchas de desembarque trazem os soldados até próximo da Praia dos Artistas,
onde existe uma infinidade de obstáculos, arame farpado, minas, etc. Trinta
metros acima, na Av. Getúlio Vargas, estão as casamatas de concreto alemãs, com
canhões, morteiros, metralhadoras de grosso calibre, lança-chamas, etc.. Os
soldados, ao desembarcar, precisam enfrentar o pesado fogo inimigo durante mais
de cem metros, antes de poder disparar um tiro que faça algum efeito.
Só no primeiro desembarque, as
forças aliadas tiveram 2400 baixas, contra 1200 dos alemães. Contudo, como a
capacidade de substituição aliada era maior, a invasão teve êxito. Ao final do
dia 06 de junho, 34 mil soldados já tinham desembarcado.
Apesar de ter sido decisivo, o
desembarque da Normandia não significou o final da guerra. Vários meses ainda
se passaram com sangrentos combates e pesadas baixas para ambos os lados. A
Alemanha capitulou em 7 de Maio de 1945, enquanto o Japão resistiria até 02 de
Setembro de 1945, sendo dobrado pela força arrasadora de duas bombas atômicas.
A guerra provocou a morte direta
de cinquenta milhões de pessoas e praticamente arrasou a maioria dos lugares
onde aconteceram os combates.
O filme
Em "O Resgate do Soldado
Ryan" é possível ter uma ideia do que foi o desembarque da Normandia e os
dias que se sucederam. Ao contrário de muitos outros filmes sobre a segunda
guerra, que davam uma visão muito arrumadinha, "Ryan" mostra que uma
guerra é um processo lento, sujo e doloroso.
Foram feitos mais de quinhentos
filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, inclusive "O Mais Longo dos Dias",
que trata do desembarque da Normandia. Infelizmente, como tantos outros, mostra
uma guerra asséptica, onde os heróis passeiam e não desmancham nem o penteado.
As mortes são românticas e rápidas, os movimentos são organizados, as situações
se resolvem rapidamente, os prisioneiros de guerra são bem tratados... Pura
balela, dizem os veteranos de combate. Toda situação de guerra é degradante,
obscena, caótica e selvagem. O Dia D foi tudo isso e muito mais.
Como diz o personagem de Tom
Hanks, "tenho medo de voltar para casa e minha mulher não me reconhecer,
devido a tudo o que fiz na guerra..."
Para conseguir o realismo que o
diferencia dos outros filmes, Spielberg mostra a ação do ponto de vista dos
soldados. Os que estão desembarcando veem os colegas serem metralhados a todo
instante. Da casamata alemã vê-se a devastação que a metralhadora fazia,
massacrando os homens que avançavam pela praia.
A grande fonte de inspiração
para as cenas do desembarque foram as fotos de Robert Capa, o mais famoso
correspondente de guerra, que efetivamente participou das ações na Normandia,
armado unicamente com suas câmeras.
A trama do filme é baseada num
fato real, a história dos irmãos Niland, do estado de New York. Os quatro
irmãos, com idade variando entre vinte e trinta e cinco anos alistaram-se
voluntariamente e partiram para a guerra. Dois deles morreram no Dia D,
enquanto outro foi dado como morto em Burma (antiga Birmânia). Fritz Niland foi
localizado na Normandia por um capelão do exército, Reverendo Francis Sampson,
e retirado da zona de combate. Após o término da guerra, o Niland desaparecido
foi encontrado, tendo sobrevivido a um campo de prisioneiros dos japoneses.
Na ficção, o capitão John Miller
(Tom Hanks) recebe a missão de encontrar e trazer de volta o soldado Ryan,
último sobrevivente de quatro irmãos que estavam na guerra. Ao fazer isso, com
um grupo de oito homens, enfrenta um franco-atirador alemão, trava uma pequena
batalha numa estação de radar e finalmente encontra o homem procurado, para
descobrir que este recusa-se a abandonar o posto.
Resolvido a só voltar com o
rapaz, o capitão Miller organiza a resistência de um pequeno vilarejo, cuja
ponte é estratégica para os alemães. Com poucos recursos humanos e materiais,
Miller tem que usar toda a sua experiência de combate para cumprir a missão
quase suicida.
A batalha no vilarejo é
eletrizante, embora numa ótica diferente do desembarque. Aqui já se cai um
pouco no lugar-comum dos filmes de ação, com os heróis atravessando incólumes
chuvas de balas, enquanto os inimigos caem como moscas. Mesmo assim, são
mostradas as reações humanas comuns num ambiente desse: heroísmo,
desprendimento, covardia, autoimolação, etc..
Mesmo após uma década e meia de
sua estreia, “O Resgate do Soldado Ryan” é um filme vigoroso e envolvente,
mostrando um importante fato histórico com notável grau de fidelidade.
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