Newton Ramalho
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Filme
da Semana: “Ninguém Quer a Noite”
Lembro que quando era
criança, costumávamos ver como heróis os exploradores que viajavam para lugares
longínquos, excitando a imaginação das pessoas comuns. Embora realmente estes
senhores tenham sido especiais, dificilmente eles teriam alcançado sucesso sem
o suporte das pessoas comuns, que depois foram deliberadamente ignoradas e
esquecidas. Um filme que nos ajuda a pensar a respeito é “Ninguém Quer a Noite”,
dirigida pela cineasta catalã Isabel Coixet.
No filme acompanhamos a
história de Josephine Peary, vivida pela magnífica atriz francesa Juliette
Binoche. Josephine é mulher do famoso explorador Robert Peary, que fez diversas
expedições ao Ártico, sempre em busca do Polo Norte geográfico.
Josephine era tão aventureira
quanto o marido, e também dominada pela obsessão do marido para alcançar o Polo.
Ela chegou a acompanhar o marido mesmo estando grávida, dando a luz em pleno
Ártico, recebendo o apelido de “bebê da neve”.
No começo do século 20 ela vai
em busca do marido, que se aventurara em mais uma expedição. Contrariando a
opinião de todos os amigos que viviam na região, ela insiste em seguir em frente,
mesmo estando próximo do inverno.
Com muita dificuldade e perda
de vida e suprimentos, ela consegue chegar em um posto avançado, onde decide
aguardar a chegada de Peary – mais uma vez contrariando o conselho do guia
local. A única pessoa que permanece no local é Allaka (Rinko Kikuchi), uma
jovem inuit. Para os desavisados, embora sempre tenham sido tratados de “esquimós”,
os habitantes do norte do Canadá preferem ser chamados de inuit.
Intrigada com a jovem, ela
descobre que a moça tem algo em comum com ela, pois era a companheira local do
explorador! A convivência a princípio é difícil, mas com a chegada do inverno,
elas são obrigadas a ajudar-se mutuamente. Mais do que isso, elas terão que
alimentar e proteger outra pessoa, pois a jovem estava grávida.
A vida torna-se impossível,
pois o inverno rigoroso, no qual o sol se esconde por seis meses, cobrará o seu
tributo.
A dramatização dos fatos teve
algumas liberdades poéticas, mas traz à tona a forma como os nativos de todos
os lugares eram considerados e tratados pelos exploradores brancos. Arrogantes,
desrespeitosos, e julgando-se donos de tudo, eles tinham como objetivo único a
sua missão, mesmo que para alcançá-la, fosse preciso o sacrifício dos locais.
Numa época onde os homens
dominavam todas as atividades, era comum que a mulher fosse considerada um
acessório. A prática de arranjar companheiras nativas era comum, embora – como aconteceu
na realidade – elas e seus filhos fossem deliberadamente esquecidos, com a
volta dos exploradores à civilização.
Curiosamente, o braço direito
de Peary era um homem negro, Matthew Henson, que aparece brevemente no filme
atual. Henson, cuja vida também motivou o filme “Glory & Honor”, apesar de
ter um papel vital nas expedições de Peary, passou décadas sendo olimpicamente
ignorado. Henson também teve uma companheira inuit, como Peary, e como ele,
deixou tudo para trás ao voltar para casa. Em 1986, pesquisadores da Harvard
Foundation procuraram descendentes de Peary e Henson e encontraram os filhos
dos dois, Kali e Anauakaq, respectivamente.
Poderíamos pensar que isso era
o comportamento do passado, mas quando se constata a devastação que o “homem
civilizado” causa na natureza e nas pessoas simples que vivem nos ambientes
invadidos, vemos que o comportamento predador ainda continua.
No ambiente de intolerância em
que vivemos, é sempre interessante parar para pensar se o que fazemos é o certo,
ou se estamos tão embrutecidos que não nos damos conta de qual é o nosso
verdadeiro papel neste mundo de Deus.
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