Filmes
da Semana: “Amor em Tempos de Guerra” e “Bem-Vindo”
Embora tenha nuances de todos os tipos, acredito
que a raiz de todos os problemas da Humanidade reside simplesmente na intolerância,
este sentimento que provoca tudo de ruim que nos cerca desde sempre. Por
coincidência, neste final de semana assisti dois filmes franceses que comprovam
essa teoria, embora tratem de assuntos diferentes. Os filmes são “Amor em
Tempos de Guerra” e “Bem-Vindo”.
O título em português “Amor em Tempos de Guerra”
não reflete bem o conteúdo do filme, embora a Segunda Guerra Mundial seja o
cenário, com todas as suas mazelas. O título original, “Un Amour à Taire”, que
poderíamos traduzir como “um amor a esconder”, mostra este drama controvertido,
que gira em torno de uma judia e seus amigos homossexuais, duas condições
perigosas e mortais em qualquer lugar sob a dominação nazista.
Sarah (Louise Monot) é uma jovem judia francesa,
cuja família foi assassinada por um homem que se dispunha a ajudá-los a fugir.
A moça consegue abrigo com o amigo de infância Jean Lavandier (Jérémie Renier),
com quem tivera um amor adolescente. Jean, por sua vez, vivia um romance
secreto com Phillipe (Bruno Todeschini), em cuja casa dá abrigo para Sarah.
O trio vive bem, apesar da ocupação nazista e da
fervorosa colaboração de muitos franceses, que não se furtam em denunciar
judeus e roubar os bens dos que fugiram. Entre estes está Jacques (Nicolas Gob),
o irmão mais novo de Jean, que causa uma tragédia ao denunciar o irmão, por
estar apaixonado por Sarah.
O filme mostra este lado da guerra que muitos
preferem esquecer, da colaboração de muitos franceses com os inimigos, e da
forma cruel como foram tratados os homossexuais da Alemanha e dos países
ocupados, sendo enviados para os campos de concentração, onde eram submetidos a
experimentos, lobotomias e execuções.
Estima-se que foram aprisionados entre 90 e 100
mil homossexuais, dos quais 15 foram executados. A lei francesa de 1942 que
criminalizava a homossexualidade só foi revogada em 1981.
O segundo filme, “Bem-Vindo”, trata de um
problema mais recente, os imigrantes ilegais que tentam chegar à Inglaterra,
mas que esbarram na França nas difíceis opções para chegar ao seu destino final.
É estranho saber que a França, um país com
tradição para acolher refugiados e perseguidos políticos, mantinha em seu
Código de Entrada e Estadia de Estrangeiros alguns artigos que penalizavam com
prisão e multa de 30 mil euros o cidadão que ajudar, transportar ou abrigar
qualquer imigrante ilegal. Mas, as questões relativas aos imigrantes não se
limitam às leis e autoridades, mas também às atitudes dos próprios franceses.
No filme
encontramos o jovem curdo-iraquiano Kalil (Firat Ayverdi) na última etapa da
longa viagem que o trouxe do Iraque rumo à Inglaterra, onde espera reencontrar
a namorada Mina (Derya Ayverdi).
Em Calais, cidade francesa mais próxima da
Inglaterra, apenas 32 quilômetros separam os dois países, no ponto mais
estreito do Canal da Mancha. O problema é que todos os meios de transporte são
altamente vigiados, sendo o mais frequente o contrabando de pessoas nos caminhões
de carga.
Para evitar a fiscalização, que detecta a
presença de pessoas através do nível de CO2, os clandestinos colocam sacos de
plástico na cabeça. Isso termina sendo um problema para Kalil, que ficou
traumatizado após passar oito dias amarrado e com um saco na cabeça na
fronteira da Turquia. Eles são descobertos, julgados e marcados com uma tinta
indelével na mão, o que lembra as tatuagens dos campos de concentração
nazistas.
As semelhanças não param por aí, eles são
impedidos de fazer compras em mercados, são espancados pela polícia, e qualquer
francês que os ajude é denunciado pelos próprios vizinhos.
Simon Calmat (Vincent Lindon) é um professor de
natação que vive alheio a estes dramas, mergulhado em sua própria vida, abalada
pela separação de Marion (Audrey Dana), por quem ainda é apaixonado.
O acaso o faz encontrar Kalil, que está decidido
a usar outra maneira de chegar à Inglaterra: cruzar o canal da Mancha a nado.
Simon tenta convencê-lo a desistir da ideia, pois apenas nadadores
profissionais, com uma boa equipe de suporte conseguiram realizar a façanha,
mas o jovem está mesmo decidido.
Embora o filme seja de 2009, as condições dos
imigrantes em Calais só pioraram com o tempo, embora os esforços humanitários
continuem tentando melhorar as condições de vida daquelas pessoas que
simplesmente perderam tudo, são hostilizadas diuturnamente, e ainda são acusadas
de serem terroristas.
Estes dois filmes mostram a força do cinema
francês que continua sendo um dos melhores do mundo, não só pela quantidade de
filmes produzidos, mas também pela ousadia na forma como temas importantes são
apresentados ao público.
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