Newton Ramalho
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Filmes da Semana: “A Jovem Rainha” e “O Amante da
Rainha”
É bem possível que a maioria dos frequentadores dos cinemas
de hoje, habituais consumidores de produtos hollywoodianos, não tenha ideia da
brilhante produção do cinema europeu, e, em especial, do escandinavo. É notável
a qualidade dos filmes suecos, noruegueses e dinamarqueses, dos quais
selecionei os títulos “A Jovem Rainha” e “O Amante da Rainha”.
Os dois filmes tem em comum retratarem momentos históricos
e figuras importantes de seus países. Esses momentos e estas personalidades
certamente têm como reflexo o diferencial que hoje existe entre os países
escandinavos e o resto do mundo.
“A Jovem Rainha” (“The Girl King”) é um filme sueco, e o
personagem-título é a controversa rainha Cristina, que governou o país entre
1632 e 1654. Cristina, vivida nas telas por Malin Buska, assumiu o trono aos
seis anos de idade, já que era a herdeira oficial de Gustavo II, morto em
batalha na Guerra dos Trinta Anos. Seu pai também expressara o desejo de que a
filha fosse criada e educada como um príncipe, o que foi cumprido pelo
chanceler Axel Oxenstiena (Michael Nyqvist).
Cristina foi tudo, menos uma rainha convencional. Muito
inteligente e estudiosa, tinha notável aptidão para aprender outras línguas,
além de uma avidez pela filosofia, política e artes em geral. Por outro lado,
usava roupas masculinas, cavalgadas e outras atividades, além de manter um
longo relacionamento com a condessa Ebba Sparre (Sarah Gordon).
A época histórica mostrada no filme era de extrema
intolerância religiosa, com grande influência das igrejas sobre os governos e
cidadãos, e um dos efeitos mais nefastos foi a Guerra dos Trinta Anos, entre
estados católicos e protestantes, com imensas perdas de vidas e de recursos
para todos.
Sendo a filha de um defensor do protestantismo na guerra,
Cristina causou escândalo ao abdicar em 1654 e converter-se ao catolicismo. Ela
passou seus anos restantes em Roma, tornando-se a líder da vida musical e
teatral local.
O filme “A Jovem Rainha”, dirigido por Mika Kaurismäki,
consegue fazer uma leitura histórica isenta e sem espetacularização de Cristina
da Suécia, trazendo à vida este personagem tão controverso, mas que contribuiu
enormemente para modernizar o seu país e fazê-lo sair do obscurantismo que era
o lugar-comum daquela época.
O outro filme, “O Amante da Rainha” (“En Kongelig
Affaere”), é contado pelo ponto de vista de Caroline Mathilde (Alicia
Vikander), uma jovem princesa inglesa que se tornou rainha da Dinamarca e
Noruega ao casar com o rei Cristiano VII (Mikkel Boe Folsgaard).
Se um casamento arranjado – prática comum na época - já
tinha suas dificuldades, o deles era mais complicado pela influência da
madrasta real, que sonhava com a coroa para o seu próprio filho, e pela
instabilidade emocional do próprio rei.
Durante uma viagem pela Europa esta instabilidade chegou a
níveis preocupantes, e dois nobres suecos em desgraça, Rantzau (Thomas W.
Gabrielsson) e Brandt (Cyron Melville) propõem a um médico de província, Johann
Friedrich Struensee (Mads Mikkelsen) que se candidate a médico de rei. Eles o
apresentariam, e caso Struensee obtivesse sucesso, usaria sua influência para
fazê-los retornar à corte.
Struensee encorajou o rei a melhorar a relação com a sua
esposa, e como a rainha sabia bem que era Struensee que estava por detrás
destas melhoras e começou a interessar-se cada vez mais pelo jovem médico. Esse
interesse rapidamente se transformou em atração; em janeiro de 1770, Struensee
passou a ter direito a ter um quarto só para si no palácio real e, na primavera
de 1770, era já amante da rainha. Quando conseguiu administrar uma vacina com
sucesso ao príncipe-herdeiro em maio desse ano, a sua influência aumentou ainda
mais.
Em 1770, o rei começou a isolar-se cada vez mais e
tornou-se cada vez menos influente devido ao seu estado mental. Caroline
Mathilde, até então ignorada na corte, tornou-se o centro das atenções. Começou
a ganhar uma nova confiança e mostrava-se ao público montada a cavalo e vestida
com roupas de homem.
Aproveitando o novo poder que Caroline tinha na corte,
Struensee começou a governar através do rei, dispensando o antigo conselho que
governava o país. Começava a Era de Struensee, onde durante dezesseis meses a
Dinamarca passou por mudanças consideradas impensáveis até então, como a
proibição da tortura nas prisões, direitos para os camponeses e redução dos
privilégios dos nobres.
Essas ousadias que contrariavam tanto a nobreza quanto a
igreja, além do comportamento da rainha virar motivo de chacota entre a
população comum, terminaram levando a um golpe de estado onde o rei foi
obrigado a ordenar a prisão, e a consequente execução de Struensee.
A Dinamarca voltou a mergulhar no obscurantismo, do qual só
emergiria através do filho de Caroline e Cristiano, anos depois da morte de
Struensee.
Este filme é interessante por mostrar uma época
fervilhante, onde a dominação da nobreza e da igreja era questionada pelos
iluministas, entre os quais se incluía Struensee, e que teria seu grande
reflexo na Revolução Francesa, alguns anos depois dos eventos mostrados aqui.
Embora tenha sido primoroso o trabalho de reconstituição de
época e de figurino, o ponto alto do filme é a atuação do elenco, resultado da
direção de Nikolaj Arcel. Mas, a alma do filme é a jovem atriz Alicia Vikander,
cujo talento foi reconhecido este ano, com a premiação do Oscar de Melhor Atriz
Coadjuvante em “A Garota Dinamarquesa”.
“O Amante da Rainha” consegue ser atemporal ao mostrar como
na disputa pelo poder o que menos importa é o bem da população, ou os bons
valores e virtudes. Quem tem o poder não quer perde-lo, mesmo que, para isso,
use meios ou recursos da mais baixa natureza, como a calúnia e a difamação.
Nada mais atual que a situação do Brasil de hoje.
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