Newton Ramalho
colunaclaquete@gmail.com – www.colunaclaquete.blogspot.com - @colunaclaquete
Filme da Semana: “Memórias Secretas”
Dificilmente algum evento da História Humana terá se
lastreado e gerado tanto ódio como a Segunda Guerra Mundial, não apenas pelo
número de atores envolvidos como pelo número de vítimas diretas ou indiretas,
tudo isso motivado pela cobiça e justificado pela intolerância. Alguns destes
aspectos estão retratados no magnífico filme de Atom Egoyan, “Memórias
Secretas” (“Remember”).
O início da história nos remete a outros filmes que
exploram o universo dos idosos, como “Coccoon”, “Dois Velhos Rabugentos”, “O Exótico
Hotel Marigold”, “Antes de Partir”, “E Se Vivêssemos Todos Juntos?”, e tantos
outros.
Em uma residência para idosos, Zev (Christopher Plummer)
sofre de demência senil, e não consegue nem lembrar que a esposa morreu de
câncer recentemente. Quem lhe dá suporte é o amigo Max (Martin Landau), apesar
da condição frágil de saúde, que o prende a um balão de oxigênio e uma cadeira
de rodas.
Após o último dia da semana de luto do ritual judeu, Max
passa para Zev as instruções do que deve fazer a partir de então. Com todas as
orientações de Max em uma detalhada carta, Zev deve sair em uma derradeira
missão de busca de um antigo oficial nazista do campo de Aschwitz, onde ambos
foram prisioneiros.
Mesmo com suas deficiências de memória recente e as
dificuldades da idade, Zev foge do centro de idosos com a ajuda de Max. Sua
missão é identificar e matar o ex-nazista que se esconde sob o nome de Rudy
Kurlander. O problema é que existem quatro imigrantes alemães com este nome nos
Estados Unidos e Canadá, cabendo a Zev a função de reconhecer o verdadeiro
ex-oficial.
Zev percorre uma longa jornada entre Nova York, Ohio,
Ontário, Idaho e Nevada. A cada etapa da viagem o idoso encontra dificuldades,
mas, também pessoas que procuram ajudá-lo da melhor forma.
Em sua busca por vingança, ele também descobre os vários
envolvidos no conflito, que pouco ou nada tinham a ver consigo, como o homônimo
do nazista que lutou pela Alemanha mas nada sabia sobre os campos de
extermínio, outras vítimas além de judeus, como homossexuais, ciganos,
Testemunhas de Jeová ou comunistas.
Zev descobre também que existem nazistas jovens, igualmente
consumidos pelo preconceito e pelo ódio, vivendo e atuando na dita maior nação
democrática. Sua jornada só chegará ao fim quando encontra o verdadeiro
criminoso, e comete o derradeiro ato de justiça.
Além do ótimo roteiro de Benjamim August, a direção segura
do egípcio Atom Egoyan conduz à perfeição um time de magníficos baluartes do
cinema: Christopher Plummer, o eterno Capitão Von Trapp de “A Noviça Rebelde”,
Martin Landau, e Jürgen Prochnow.
Muitos detalhes são exibidos sem grande destaque, mas
remetem à Segunda Guerra, como os vagões fechados que transportavam os
prisioneiros para os campos, os alto-falantes que transmitiam as ordens, os
sons de uma pedreira, tais quais os dos canhões e bombas, e até a associação da
música de Wagner com o nazismo.
O filme não deixa de provocar, ao mostrar a facilidade com
que se compra armas nos Estados Unidos, e o sentimento de um segurança ao
lembrar de sua primeira pistola (e não questionar porque um nonagenário estava armado),
ou mesmo do neonazista que conserva um uniforme da SS pelo saudosismo do pai.
Embora tenha recebido críticas não muito favoráveis,
“Memórias Secretas” é um belo exercício de questionamento sobre a vida e os
atos humanos, e sobre o que é importante ou não.
Não há dúvidas que um dos objetivos do filme seja
exatamente despertar as discussões sobre o Holocausto – não só dos judeus, mas
de tantas outras vítimas – além do mal que o ódio e a intolerância causaram e
continuam causando à Humanidade.
Contudo, há uma sutil pergunta que fica incomodando como
uma farpa no dedo: aquilo que você acredita é verdadeiro, ou apenas o que
outros querem que você acredite?
Políticos, imprensa, religiosos fanáticos, multinacionais e
outros agentes usam a desinformação e a calúnia para criar um universo paralelo
e induzir as pessoas a fazer o que eles querem.
Isso nunca foi tão real quanto o que está acontecendo hoje em dia, no
Brasil, nos Estados Unidos, e possivelmente no resto do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário