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Newton Ramalho -
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Filme recomendado: “Dr. Fantástico”
Como eu aprendi a deixar de me preocupar e
amar a Bomba
Não há
limites para a sede de poder do homem, e em nome da paz nascem mais e mais
guerras. Como é mais fácil iniciar uma do que termina-la, sempre fica a
preocupação de onde tudo isso irá levar. Num mundo cada vez mais preenchido com
Trumps e trumpanaros, tudo parece repetir-se continuamente. Um filme dos anos
60, que retrata magnificamente isso, é “Dr. Fantástico” (“Dr. Strangelove or:
How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”,EUA,1964), uma das
obras-primas de Stanley Kubrick.
O filme é um
produto da Era da Guerra Fria, feito em 1963, em plena corrida armamentista,
onde se via um comunista comedor de criancinhas debaixo de cada cama. Homem de visão não-engajada, e crítico
feroz dos fanatismos, Kubrick conseguiu passar para as telas a paranóia
existente e o risco que a humanidade corria. Infelizmente, as lições não
parecem ter servido, pois os líderes mundiais continuam repetindo os mesmos
erros.
“Dr.
Fantástico” é baseado num livro intitulado “Red Alert”, que imagina as
duas primeiras e decisivas horas de uma
guerra nuclear. Outro filme da época, “Limite de Segurança” (“Fail Safe”, EUA,
1964) de Sidney Lumet, com Henry Fonda e Walther Matthaus, usou o mesmo tema.
Mas, enquanto Lumet mostrava a história de uma forma dramática, Kubrick
direcionou seu filme para a comédia. Ambos os filmes são geniais, não perderam
a atualidade, e, para o prazer dos cinéfilos, estão disponíveis em várias
mídias.
Os dois
filmes exploram o mesmo tema, o início de uma guerra nuclear devido a fatores
imprevistos. Em “Dr. Fantástico”, um general ensandecido que acreditava que o
tratamento da água encanada era um processo de dominação comunista, ordena um
ataque nuclear à Rússia. Ironicamente, o lema deste grupo aéreo é "Paz é a
nossa profissão”.
Para
complicar tudo, os russos tinham desenvolvido a "arma do juízo final"
que seria acionada automaticamente por uma explosão nuclear, destruindo a vida
na superfície da Terra durante noventa e três anos.
Todos os
militares americanos são retratados impiedosamente por Kubrick: o brigadeiro
Ripper (Sterling Hayden), que ordena o ataque e enfrenta seus colegas com uma
metralhadora ponto cinqüenta, no estilo que ficaria famoso em “Rambo II”, anos
mais tarde; o ultra-paranóico-radical General "Buck" Turgidson (George
C. Scott, numa antecipação do seu mais famoso filme – “Patton”) que quer a todo
custo aproveitar o incidente e completar a guerra; Colonel "Bat"
Guano (Keena Wynn), que após invadir o quartel e matar vários soldados, não
quer danificar uma máquina de Coca-Cola, porque é propriedade privada; Major
T.J. "King" Kong (Slim Pickens) o fanático piloto do bombardeio, que
é o protagonista da antológica "cavalgada" na bomba nuclear.
O elenco todo
está inspiradíssimo, a começar por Peter Sellers, que protagoniza três
personagens diferentes: o adido inglês, capitão Mandrake, único militar com
algum bom senso no filme, o presidente dos Estados Unidos, e, o papel-título do
misterioso Dr. Strangelove. Este último, quando aparece na parte final do
filme, é uma acusação direta de fascismo aos militaristas de plantão, chamando
o presidente de Mein Fueher, e, fazendo a saudação nazista, por exemplo.
Curiosamente, Sellers, que estrelou muitas comédias, entre as quais, “Pantera
Cor de Rosa”, faz os papéis mais contidos do filme.
Dos
principais atores do filme, o único que ainda está vivo é James Earl Jones, em
seu filme de estreia no cinema. Jones ficou mais conhecido como o chefe da CIA
nos filmes “Caçada ao Outubro Vermelho”, “Jogos Patrióticos”, e “Perigo Real e
Imediato”. Mas, poucos se lembram que ele foi quem dublou o personagem Darth
Vader na primeira trilogia de Star Wars, e voltaria ao papel em “Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith”
(2005) e “Rogue One: Uma História Star Wars” (2016).
Como este é
um filme que interessa os colecionadores, saíram edições caprichadas em DVD e
Blu-Ray. Uma coisa curiosa é o formato de tela, Full Screen (1,66:1), que
corresponde ao 16mm do cinema, de forma que não há perda de imagem. Diz a lenda
que Kubrick preferia esse formato. O áudio traz o som mono original e também em
5.1 TrueHD e o filme é preto e branco. Tudo isso que parece desvantajoso em
relação aos filmes atuais mas faz parte de um conjunto harmônico da obra de
Kubrick.
É como se
estivéssemos assistindo a obra original, sem os risquinhos na tela. A imagem,
aliás, está primorosa. Os efeitos especiais são pobres, mas convincentes, para
a época. Falando em efeitos especiais, Kubrick encantaria o mundo, alguns anos
depois, com “2001, uma Odisséia no Espaço”.
O Blu-Ray
traz os mesmos extras da edição americana, incluindo um documentário sobre a
vida e obra de Kubrick, um Making Of de Doutor Fantástico, documentários sobre
a Guerra Fria, sobre Peter Sellers, e até uma entrevista com Robert McNamara,
que foi Secretário de Defesa dos Estados Unidos de 1961 a 1968. Embora o filme
tenha legendas em português, os extras só as tem em inglês e espanhol.
“Dr.
Fantástico” é um filme que vale à pena ser assistido, e, discutido, com os
amigos, filhos, vizinhos, cachorro e papagaio. É importante observar que os que
tem o poder de apertar botões importantes, muitas vezes tomam as decisões pelas
motivações mais pessoais e absurdas, sem se preocupar com as conseqüências para
milhões de cidadãos. E, para tornar o programa mais interessante, que tal uma
sessão tripla com “Limite de Segurança” e “A Soma de Todos os Medos”?
Título Original: “Dr. Strangelove
or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb”