www.colunaclaquete.com.br
Newton Ramalho - colunaclaquete@gmail.com
Artigo: O arquiteto do mal
O
recente processo eleitoral brasileiro parece ter mergulhado boa parte da
população no mais absoluto obscurantismo, levando a pensar que essas pessoa
nunca estudaram História, nem tem consciência de que estão flertando com um
perigoso movimento autoritário.
Claro
que para muitos isso não passa de bazófias de campanha, fanfarronices sem
nenhuma intenção de serem executadas. Mas, a História demonstra que, embora
monstros como Hitler sejam raros, são inúmeros os seguidores que interpretam e
executam seus mais loucos desejos e proposições. Ou seja, são pessoas comuns
que cometem atos monstruosos.
Um
destes personagens foi Otto Adolf Eichmann, um tenente-coronel das SS designado
para gerir a logística das deportações de massa dos judeus para os guetos e
campos de extermínio. Ele pesquisou maneiras práticas, econômicas e eficazes de
executar judeus, ciganos, homossexuais e outros “inimigos do estado alemão”.
Depois
de testar o fuzilamento e asfixia dos prisioneiros em caminhões com os gases do
escapamento, foi adotado o uso do gás Zyklon-B, e criado toda uma
sistematização para o extermínio em massa em inúmeros campos como Dachau,
Treblinka, Auschwitz-Birkenau e muitos outros.
Eichmann
era sempre muito cuidadoso em evitar rastros sobre seus atos, que pudessem
incriminá-lo no futuro. Como muitos outros oficiais alemães, saiu da Alemanha
após o final do conflito usando documentos falsos, e refugiou-se na Argentina,
país que tinha se mantido neutro durante a guerra.
Em
1960, Eichmann foi localizado pelo Mossad, o serviço secreto israelense. Numa
operação audaciosa, um grupo de agentes sequestrou o alemão e conduziu para
Israel. Ali foi submetido a um julgamento conturbado, que teve repercussão
mundial. Condenado à morte, ele foi enforcado em 01 de junho de 1962.
Muitos
se perguntam o porquê do destaque da atuação de Eichmann, um oficial de média
patente. Mas, além de sua atuação de destaque na execução do Holocausto,
Eichmann era um homem extremamente frio e calculista, que resistiu até o final
em admitir sua culpa. Seu julgamento, entretanto, permitiu dar visibilidade aos
horrores do Holocausto, que ninguém queria investigar, nem mesmo os próprios
judeus. Algo parecido com a atitude que nós temos com relação aos desmandos da
nossa ditadura.
Existem
três ótimos filmes sobre o assunto, e cada um traz uma abordagem diferente. O
mais recente é “Operação Final” (“Operation Finale”, EUA, 2018), onde Ben
Kingsley vive o oficial alemão. Este filme reconta a operação feita pelo Mossad
para sequestrar Eichmann na Argentina e levá-lo para Israel. O filme é
romantizado com elementos de ação para torná-lo mais agradável ao grande
público.
O
segundo filme, “The Eichmann Show” (EUA, 2015), trata da cobertura do
julgamento de Eichmann em Israel. Submetidos a uma imensa pressão, tanto pela
população judaica, que não entendia porque precisava de um julgamento, como
pelos nazistas remanescentes, os jornalistas Milton Fruchtman (Martin Freeman)
e Leo Hurwitz (Anthony LaPaglia) fazem a cobertura do processo, que se tornou o
primeiro julgamento do mundo com divulgação mundial. O filme ficou bastante
enriquecido com imagens reais tanto do julgamento quanto dos campos de
extermínio.
O
terceiro filme, “A Solução Final” (“Eichmann”, EUA, 2007), mostra o período
entre o sequestro e o julgamento. Através da ótica do capitão de polícia Avner
Less (Troy Garit), o filme mostra os interrogatórios conduzidos pelo policial
com Eichmann (Thomas Krestschmann), devassando várias etapas da vida do alemão
e suas inúmeras atrocidades.
Com
frieza e cinismo, Eichmann desafia Avner num jogo psicológico em que ele parece
ter domínio absoluto. Submetido à tremenda pressão da opinião pública
israelense e mundial, Avner é o único que tem contato direto com o alemão, e
tenta de todas as maneiras levá-lo à admissão de culpa pelos seus crimes.
Estes
três filmes permitem uma visão de um homem comum dotado de poderes que o
levaram a cometer atos inomináveis, movido simplesmente pela desculpa da
hierarquia e de atendimento aos desejos do líder supremo. Será que já não
estamos vendo aqui no Brasil indícios de atitudes semelhantes, mesmo antes da
definição das eleições?
Recomendo
a todos que assistam estes três filmes, para que nos lembrem do que o ser
humano é capaz, principalmente com a banalização do mal, fenômeno percebido
pela filósofa e escritora Hannah Arendt, ela mesma uma sobrevivente de campos
de concentração, e que atuou como jornalista na cobertura do julgamento de Eichmann.