Filme da Semana: “Guernica”
A história da Humanidade é repleta de conflitos,
tantos que a maioria das pessoas tem conhecimento apenas dos mais importantes.
Mas, um destes conflitos, a Guerra Civil Espanhola, foi marcada por um
acontecimento tão brutal e covarde que foi imortalizado por Pablo Picasso em
uma pintura excepcional. O quadro, a cidade e o filme inspirado nesta trágica
história tem o mesmo nome: “Guernica” (“Gernika”, 2016).
Para ajudar o leitor, farei uma brevíssima
contextualização. Após a o fim da monarquia no início da década de 1930, foi
instalado o sistema republicano na Espanha. Ao longo da década, os embates
entre a esquerda e direita culminaram com um golpe militar liderado pelo
general Franco, que desencadeou uma guerra sangrenta que se arrastaria até
1939.
Os nacionalistas, de Franco, tinham o apoio de Hitler
e Mussolini, enquanto os republicanos eram suportados pela União Soviética. A
situação mundial era de muita tensão, pois todos sabiam que logo aconteceria
uma nova guerra mundial.
O mundo naquele momento era muito diferente de hoje. A
Alemanha e Itália, sob o domínio de Hitler e Mussolini, haviam ressurgido dos
escombros da Primeira Grande Guerra, e eram de novo potências militares cada
vez mais agressivas.
A Inglaterra ainda detinha tantas colônias, incluídas
a Índia e Paquistão, que tinha o apelido “o império onde o sol nunca se põe”. A
África, com poucas exceções, era formada por colônias europeias.
Em boa parte do mundo, inclusive no Brasil de Vargas,
os governos eram ditaduras de extrema direita. O Japão saíra de um isolamento
milenar para um expansionismo belicoso, já tendo invadido a Manchúria e boa
parte da China.
Neste nível de tensão, era natural que Estados
Unidos, Inglaterra e França evitassem se envolver no conflito espanhol, pois já
previam uma guerra muito maior à sua frente.
É neste momento que encontramos em Bilbao, no norte
da Espanha, um grupo de jornalistas que tenta cobrir a guerra. Entre eles está
o americano Henry Howell (James D’Arcy), um jornalista veterano na cobertura de
outras guerras. Cínico e desiludido, Howell irrita-se com a censura do
departamento de comunicação dos republicanos, que impede que ele comunique
qualquer notícia que pareça ser negativa.
Os censores do departamento são Teresa (Maria
Valverde) e o russo Vasyl (Jack Davenport), este último cumprindo instruções
recebidas diretamente de Moscou.
Howell é obrigado a confrontar os seus próprios
demônios quando entende que é preciso que o mundo saiba o que realmente está
acontecendo ali. O momento de ruptura será o covarde bombardeio da pequena
cidade de Guernica, feito por aviões alemães e italianos, testando com sucesso
uma nova tática de guerra, a blitzkrieg.
É curioso como Hollywood se apropria dos fatos
históricos para recontá-los com sua versão. O personagem de Howell é inspirado
em George Steer, um jornalista britânico nascido na África do Sul. Embora ele
não estivesse na cidade na hora do bombardeio, ele chegou lá pouco depois e
pode construir a história baseado no que via e no relato dos sobreviventes. O
telegrama que enviou para o seu jornal, o Times de Londres, é considerado um
marco na história do jornalismo. Curiosamente, ele terminou perdendo o emprego,
pois o editor simpatizava com o general Franco.
Embora o filme tenha primado pela reconstituição de
época, algumas liberdades poéticas ficaram destoantes, como o uso de telefonema
intercontinental com grande facilidade. Lembro que na década de 1960, conseguir
uma ligação para outro estado já era uma complicação, imagine-se nos anos 30 e
em meio a uma guerra...
O famoso pintor espanhol Pablo Picasso inspirou-se na
trágica história do bombardeio para fazer o que seria o seu quadro mais famoso.
Contudo, ele impôs uma condição: o quadro só poderia vir para a Espanha quando
a democracia fosse restabelecida. Esse desejo demorou muito para ser realizado,
pois o general Franco ainda governaria a Espanha com mão de ferro até a sua
morte, em 1975.
Para quem se interessar por este assunto, recomendo,
além de “Guernica”, também os filmes “Terra e Liberdade”, “Libertárias” e “Hemingway
& Martha”. E, em livros, “Homenagem a Catalunha”, de George Orwell, “Por
Quem os Sinos Dobram?”, de Ernest Hemingway, e “Saga”, do escritor gaúcho Érico
Veríssimo.